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O que seria, para você, um jogo de terror/horror? E quais seriam seus principais elementos?

Terror e games parecem andar juntos. De franquias clássicas como “Silent Hill” e “Resident Evil” até jogos mais recentes como “Alien: Isolation” (2014) ou “Phasmophobia” (2020), esse é um tema que agrada criadores e jogadores há muitos anos. Afinal, se um filme, mesmo sem interatividade, já consege deixar espectadores tensos ou com medo, imagine as possibilidades em uma mídia como os games, que trazem o jogador e a jogadora direto para dentro da ação? Um verdadeiro laboratório dos horrores!

“Alien:Isolation” (2014): uma das experiências mais aterradoras do mundo dos games

Mas afinal, o que define um “jogo de terror”? E como reconhecer um quando o jogamos?

Se pensarmos nos três primeiros jogos da série “Resident Evil”, por exemplo (e seus remakes), veremos que muito da experiência dependia da “surpresa”. Os famosos sustos com cachorros-zumbi quebrando janelas, paredes sendo arrebentadas por Mr. X ou mesmo Nemesis abrindo caminho com um lançador de mísseis moldaram a linguagem do gênero “game de terror”. A ponto de muita gente imaginar que um jogo de terror é aquele que vai nos fazer dar pulos e gritos enquanto jogamos.

Mas mais do que a surpresa, havia algo ainda mais aterrorizante e definitivo: o quão indefesos estávamos quando tudo isso acontecia. Recursos como munição e itens de cura eram muito escassos e não era nada incomum dar de cara com qualquer dessas ameaças e não ter como “atacar de volta”. Isso quando “atacar de volta” era possível, já que alguns desses inimigos sequer podiam ser derrotados. Eram momentos em que apenas fugir ou se esconder eram opções de sucesso. Essa incapacidade de agir, mais do que os sustos, era o que fazia dos primeiros “Resident Evil” jogos de terror por excelência. Tanto que os próximos jogos da série acabaram, mesmo com os sustos, se tornando mais focados em combate e ação. O “terror” desaparece na medida em que o jogador encontra meios de se defender dele.

Não se deixe enganar pelos gráficos antigos. Esse era um momento do mais legítimo desespero em “Resident Evil 3: Nemesis” (1999)

“Amnesia: The Dark Descent” (2010) é um dos melhores exemplos de como essa dinâmica pode ser usada ao extremo, provocando, muito mais do que sustos, verdadeiros pesadelos interativos. No jogo, não é possível “derrotar” os inimigos, apenas esconder, fugir ou despistá-los. Uma situação construída, nos mínimos detalhes, para fazer com que cada passo seja dado com muita cautela…e medo.

Os últimos títulos de “Resident Evil” (“7” em 2017 e “Village” em 2021) possuem segmentos inteiros que experimentam com esse aspecto. Removendo todos os itens e armas disponíveis, eles constroem uma situação na qual somos forçados a “nos virar” com o que há em volta e encarar nossos medos (ou o desconhecido) na “cara e na coragem”. E haja coragem…

Esse é o primeiro elemento do bom jogo de terror: ele te faz sentir indefeso, acuado, impotente. Em se tratando de um jogo, não somos mais os espectadores daquela conversa, mas os próprios interlocutores. E o jogo de terror nos coloca à mercê da bomba que vai explodir a qualquer momento.

Em “Amnesia: The Dark Descent” (2010) é preciso encarar horrores tendo apenas uma lamparina nas mãos

Mas, por outro lado, ninguém quer entrar num jogo que já está perdido. E é aí que o elemento de suspense entra em cena. Mesmo no papel das pessoas que conversam, em algum momento descobrimos a presença da bomba. E nos é dada a oportunidade, ainda que pequena, de desarmá-la. Ou de escapar da explosão. Esse é o segundo elemento dos bons jogos de terror: eles nos dão a oportunidade, ainda que pequena, de escapar do perigo.

Pense em “Little Nightmares” (2017), por exemplo, e a forma como o jogo nos coloca para brincar de esconde-esconde contra inimigos que parecem gigantes e que podem nos matar apenas nos tocando. Até que surge uma oportunidade, quase escondida, de se livrar deles. Ou uma fresta pela qual se pode fugir.

“Little Nightmares” (2017) usa terror para fazer poesia, mas não brinca em serviço

Outro bom exemplo é a própria estrutura de jogo de “Dead by Daylight” (2016), que jamais permite que os sobreviventes ataquem o assassino diretamente, embora seja possível “atrasá-lo”, paralisá-lo temporariamente e, se obtiverem sucesso, até mesmo vencerem a partida.

Este é um exemplo especialmente interessante, porque o jogo não é esteticamente assustador nem seria classificado, estritamente, como um jogo de terror. No entanto, na medida em que se joga online com outras pessoas, a gritaria e os sustos começam a aparecer, transformando a partida numa experiência próxima do caótico e do satírico. Exatamente como ao se assistir um filme como “Pânico” (1996) ou “Eu sei o que vocês fizeram no verão passado” (1997). Um “terrir”, por assim dizer, ou mesmo o meta-terror de “A casa na Floresta” (2011).

Por fim, o já lendário “P.T.” (2014), teaser jogável para uma sequência de “Silent Hill” que nunca foi lançada, leva essa premissa ao máximo. Nem os objetivos são conhecidos, nos obrigando a fuçar, explorar e revirar o que nos assusta ou causa repulsa, além de revisitar os mesmos locais inúmeras vezes. O fato de que o game foi removido das plataformas digitais e sequer pode ser jogado por quem não o tenha baixado na época acrescenta ao fator “terror” e nos leva ao terceiro ponto, que completa a receita de um bom jogo de terror: há sempre mais perguntas do que respostas.

O mundo dos games e do terror nunca mais seria o mesmo depois dos corredores de “P.T.” (2014)

Bons jogos de terror não explicam cada detalhe e nem servem todas as respostas de bandeja. Eles normalmente espalham migalhas, deixam espaços vagos e, muitas vezes, lacunas para serem preenchidas pela imaginação do jogador. Pouca coisa é, afinal, mais assustadora que o desconhecido.

A série de jogos “Silent Hill” (especialmente o primeiro título, de 1999) é um ótimo exemplo dessa característica. O “lore” (história e construção do mundo do jogo) é tão rico que, ainda hoje, fãs discutem e descobrem novas interpretações e possibilidades sobre “o que está acontecendo”. “Inside” (2016) também nos imerge num universo críptico e estranho, no qual as interpretações e explicações dependem em grande parte da imaginação e da experiência de quem joga.

Combinados, esses três elementos produzem verdadeiras obras primas interativas do terror, como as que escolhi como exemplos e diversas outras. Mas o mais importante é perceber que sustos, “gore” (imagens nojentas e/ou aflitivas, normalmente envolvendo restos humanos) e design de som assustador, embora possam contribuir para a construção de uma atmosfera assustadora, não fazem por si só um game de terror. “The last of us” (2013) ou “Control” (2019) são exemplos de jogos que têm vários desses elementos mas estão bem longe de pertencerem a essa categoria. Enquanto exemplos quase “bonitinhos”, como “Little Nightmares”, são capazes de realmente causar pesadelos, como o nome sugere.

“Control” (2019): embora utilize elementos de terror, trata-se de um jogo de ação/aventura.

Numa mídia interativa, o terror não fica contido apenas na tela e no que ela pode mostrar. Ele conquista e manipula a mente e o coração de quem joga, provendo experiências únicas e que tem o poder de gerar impacto mesmo quando não se está jogando. Basta ter coragem de encarar e apertar “start”…

*O artigo acima é de total responsabilidade do autor.

Dimas de Lorena Filho
É jornalista com mais de 10 anos de experiência em comunicação corporativa em empresas como Experian, Monsanto e Bayer. Largou da chupeta por causa do videogame. E fez mestrado só pra poder estudar "joguinho". Atualmente, estuda Game Design na Universidade de Ciências Aplicadas de Colônia, na Alemanha.

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