0
 

Muitas vezes a realidade de uma sala de aula possui mais idiossincrasias do que películas da Sétima arte, tantas são as verossimilhanças com os fatos vivenciados. Confesso que me sinto igual ao protagonista do filme “Gattacca”, que feliz por ter conquistado a tão esperada viagem espacial, ao sair da Terra, pensa em silêncio: “Sei que vou sentir falta de ter vivido ali”. Assim é o paradoxo da SEDUC com o cume da montanha que é chegar até a esperada aposentadoria. Após trinta e seis anos de carreira, sempre tive orgulho de ostentar o cargo da mais jovem concursada e ser vice- diretora de uma escola pública com apenas 22 anos, estando sempre na gestão educacional, superando desafios inerentes. Nesta trajetória foram vivenciadas práticas de administração, experiências diversas, memórias de ações pontuais para a melhoria da comunidade. Nas mais de três décadas, em que tivemos alguns avanços significativos como as leis de inclusão, as tecnologias digitais e a criação do ENEM, cursos novos, outros extintos, visando o aprimoramento das ações pedagógicas, inovações tecnológicas, além da imperativa luta do ensino de jovens e adultos [o E.J.A.], até o sistema sufocá-lo. Nestes anos percorridos desde 1988 estive na gestão de grandes escolas da capital tais como: E.E. Ulisses Guimarães, E. E. Dr. Freitas ; E. E. Cel. Sarmento e E. E. José Veríssimo, e no centenário I.E.E.P. Estabelecimentos de inegável legado. Somadas tantas histórias que remontam governantes e secretários de educação desde a Prof.ª Terezinha Gueiros, até os dias de hoje. Quantas coisas mudaram desde então, o sistema de vale-transporte em papel, a informatização das matrículas, mudanças de nomenclaturas de ensino, criação dos sistemas modulares. Ao fazer um breve relato das estruturas curriculares na rede pública local, apenas como parâmetro linear comparativo à outros aspectos ombreados por estados brasileiros, penso que, sem entrar no tom do lago dos cisnes, longe deste prisma, surge um sentimento melancólico de constatar que a educação ainda tem muito a avançar nos temas previstos na ODS e que necessita ser realmente valorizada conceitualmente pela sociedade, se realmente desejarmos figurar nos primeiros lugares aliados aos índices de conhecimentos nas provas classificatórias como o PISA. Ao concluir meu mestrado em ciências da avaliação, o sonho daquela professorinha recém saída da adolescência, escutava a famosa frase: “O futuro do país está na área da educação”. Por isso acreditei que as previsões após o início do segundo milênio, estaríamos orgulhosos nos índices de aprendizagem, e hoje ainda almejamos um IDEB com índices culturais elevados. Este pensamento coletivo não envelhece e torna-se cada vez maior na esperança ao ver começar mais um ano letivo, acompanhando estudantes cheios de esperanças chegando nas salas de aulas para aprender mediante as reais dificuldades. Ao mencionar este objetivo semelhante ao ato feito por John Kieling ao subir na mesa diante de seus alunos para explicar seu posicionamento de outro ângulo e ver novos horizontes, numa cena marcante do filme “Sociedade dos poetas mortos”, sinalizando ter a plena consciência de almejar o conceito de qualidade, no mesmo paralelo com o educador Pat Conroy , baseado em fatos reais mostrados no longa “Conrack“ que se aproximou tanto dos alunos ao apresentar métodos de aprendizagem que envolviam experiências interescolares e a presença humanizada na classe, numa luta não compreendida pelas desigualdades sociais, que ao assistir cultivou uma forte inspiração emocional. Ao iniciar numa nova escola pública, lembro como se fosse nos dias atuais, quando ao entrar pelos corredores do ensino médio do turno da noite, os alunos penduravam-se nas grades, não usavam uniforme e nem queriam estudar, as paredes tinham pichações, alguns professores não estavam comprometidos com o ensino, por já estarem sem esperanças. Logo no primeiro dia diversas medidas duras foram tomadas, como cortar o ponto dos ausentes ou regras disciplinares aos discentes, implementação de programas culturais, preservação do patrimônio, estímulos com comprometimentos, levaram em menos de um ano, grandes mudanças nos resultados na aprovação e principalmente o crescimento da autoestima e relacionamentos de todos os componentes da escola, devido aos diversos eventos realizados como diferenciais de aprendizagem, assim como acontece em: “Meu mestre, minha vida” com Morgan Freeman , apresentam muitas semelhanças. Principalmente o relacionamento fraterno com os estudantes, que atualmente quando ocorrem encontros casuais com alguns deles, os mesmos relembram os bons momentos letivos vivenciados como a cena do inesquecível “Ao mestre com carinho”, principalmente os alunos reconhecem e demonstram todo o seu afeto ao professor Sidney Potier, esta gratidão que também recebi com similaridades. Tive a grata satisfação em colher amizades que ficarão guardadas para sempre na minha história de vida na posição de educadora, ao concluir um ciclo repleto de desafios, num sistema abstruso, em que pude desenvolver práticas equitativamente aos desígnios de uma andorinha imbuída na missão de educar por vocação.

Nazaré de Melo
Nazaré de Mello é escritora, artista plástica e pedagoga, Especialista em Educação Infantil, Mestra em Avaliação, gestora e fundadora da Escola Primeira Infância. Membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, diretora da Associação Comercial do Pará, é autora de 17 livros publicados.

Estação das Docas, Mangal das Garças e Parque do Utinga abrem hoje

Anterior

SBG alerta para cota de inundação severa este ano

Próximo

Você pode gostar

Mais de Cultura

Comentários