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Era 17 de setembro de 1867 e chegava a Santarém o navio “Inca”. Transportava os confederados norte-americanos. Homens, mulheres e crianças, na maioria olhos azuis e cabelos louros. Desembarcaram em canoas, como era costume na época, pois não existia ainda trapiche. A população santarena foi assistir ao espetáculo. Ficaram todos muito admirados. Os imigrantes norte-americanos foram recebidos pelo Coronel Miguel Antônio Pinto Guimarães, que depois ostentou o título de Barão de Santarém, concedido pelo Imperador D. Pedro II.
Parecia um filme, muito antes de “… E o vento levou”, que, em 1939, narra a saga de Scarlett O’Hara, uma mulher rebelde e decidida (filha de um imigrante irlandês que se tornou um rico fazendeiro nos Estados Unidos), que sobrevive à Guerra Civil norte-americana e luta para defender sua terra e para conquistar o amor de Rhett Butler.
Traziam muita bagagem, pois vinham de mudança dos Estados Unidos para o Brasil.
Eram imigrantes trazidos pelo Governo brasileiro, com prestígio do Imperador. Pertenciam a diversas famílias, como a do médico Dr. Pitts, os Vaughan, os Jennings, os Emmett, os Steele e outros plantadores do Mississipi, do Tennesee e do Alabama, no sul do país irmão. Era o primeiro grupo de mais de uma centena de imigrantes. Alguns foram para o sul do Brasil (cidades de Santa Bárbara D’Oeste e Americana, no Estado de São Paulo). Estavam inconformados com o insucesso na Guerra de Secessão, há pouco terminada. Preferiram, então, procurar nova pátria.
Nos anos seguintes, outras famílias norte-americanas foram chegando. Em 1874 eram mais de 200 colonos ianques que tinham requerido terras ao Governo. Alguns retornaram, sobretudo aventureiros infiltrados no grupo de idealistas.
Todavia, a saga dos confederados deixou sua marca na história de Santarém, com vários descendentes, portadores de nomes anglo-saxônicos como os Riker, os Hennington, os Jennings, os Vaughan, os Rhome, os Hendenhall, os Wilkens, os Stroope, os Wallace, os Franklin e outros.
O Reverendo Richard Thomas Hennington, Ministro da Igreja Episcopal Metodista Sul, serviu ao exército confederado como capelão. Natural do Estado de Mississipi (1830, Crystal Springs), casou-se com Mary Elizabeth Black e teve três filhos: Thomas, Edwin e Eliza. Era um próspero comerciante, antes de ser Pastor. Após o término da Guerra de Secessão, ele regressou ao lar e tentou reiniciar sua vida. Contudo, como outros, achou que as promessas feitas pelo Presidente Lincoln, quando vivo, não estavam sendo cumpridas pelas forças que ocupavam o poder. O sul dos Estados Unidos achava-se sob o domínio militar. A economia e a política sob o controle de aventureiros. Assim, o Reverendo Hennington começou a se entusiasmar com a idéia de emigrar. Decidiu pelo Brasil. Foi ao Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo e Bahia, após ser recebido pessoalmente pelo Imperador D. Pedro II, como deixou registrado em seu famoso Diário. Optou pela Amazônia e resolveu fixar-se em Santarém.
Além de Pastor, era dentista, professor, mecânico, sapateiro, construtor de carroça a vapor, carrinhos de mão, mobílias e outros utensílios. De quando em vez estava criando inventos diversos, como um descascador de café e um engenho para moer mandioca.
Hennington e seus filhos dedicaram-se também a construir embarcações, a partir de desenhos por eles próprios confeccionados. Os confederados foram os criadores da indústria naval na Amazônia. No livro “Meu Baú Mocorongo”, de Wilson Fonseca (vol. 1, p. 76), vê-se a fotografia da lancha “Mississipi”, de propriedade de Richard Hennington, a primeira embarcação que ele construiu.
Ele foi o fundador da Igreja Batista em Santarém e o primeiro Pastor protestante residente na “Pérola do Tapajós”.
Era um desbravador, líder espiritual e carismático, do qual seus descendentes devem muito se orgulhar. Não é, pois, sem motivo que em sua homenagem existe a Escola Estadual de Ensino Fundamental “Richard Hennington”, em Santarém.
Edwin, seu segundo filho, casou-se com a santarena Estefânia Bentes, que eu ainda conheci, bem velhinha. Eles tiveram três filhos: Eduardo (Edinho), Carmen (Bibi) e Eula, minha avó materna, casada com Vicente Malheiros da Silva.
Portanto, minha mãe, Rosilda (89 anos) – viúva de Wilson Fonseca (Isoca) – é descendente dos confederados norte-americanos.
Richard Hennington naturalizou-se cidadão brasileiro em 1891 e faleceu em Belém em 1894, onde se encontra sepultado, no cemitério de Santa Izabel.
Creio que a saga dos confederados é um dos maiores capítulos da história dos americanos, quase não conhecida pelos próprios. Constitui, aliás, um excelente motivo para a criação de uma ópera ou de um poema sinfônico, que eu ainda pretendo compor.
Um dos legados de Richard Hennington foi a implantação da indústria naval em Santarém e a construção do trapiche, importante contribuição para a economia e o transporte, na região.
No último dia 17 de setembro, a Associação dos Descendentes dos Confederados Americanos (ASDECON), com apoio da Prefeitura Municipal de Santarém, realizou justa homenagem a meu trisavô materno, Reverendo Richard Thomas Hennington, com a indicação de seu nome para designar o belo “Terminal Fluvial Turístico” (justamente onde era o trapiche que ele construiu), quando se comemora 140 anos da chegada dos confederados em Santarém. A pedido de meu irmão José Agostinho, escrevi um texto, lido por ele, sobre o tema deste artigo.
É claro que não faltou a música, com a participação da Orquestra Jovem “Maestro Wilson Fonseca”, na execução do Dobrado nº 22 (“Confederados”), sob a regência do Tinho, homenagem musical de meu pai aos antepassados de sua musa inspiradora, minha mãe. Uma das mais gratas lições recebidas de meus genitores é a consciência de que devemos reconhecer o valor de nossos ancestrais.
Sim, não é um filme. É a história. Mas tudo nos leva a pensar que o vento do tempo traz de volta aqueles homens, aquelas mulheres e aquelas crianças de olhos azuis e cabelos louros, nossos orgulhos, nosso passado, nosso presente e nosso futuro. A saga continua. O vento não levou. Nos ensinou a ter fé, esperança, fraternidade e gratidão.
(Vicente Malheiros da Fonseca – magistrado, professor e compositor)

Vicente Malheiros da Fonseca
Vicente José Malheiros da Fonseca é Desembargador do Trabalho de carreira (Aposentado), ex-Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (Belém-PA). Professor Emérito da Universidade da Amazônia (UNAMA). Compositor. Membro da Associação dos Magistrados Brasileiros, da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 8ª Região, da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, da Academia Paraense de Música, da Academia de Letras e Artes de Santarém, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, da Academia Luminescência Brasileira, da Academia de Música do Brasil, da Academia de Musicologia do Brasil, da Academia de Música do Rio de Janeiro, da Academia de Artes do Brasil, da Academia de Música de Campinas (SP), da Academia de Música de Santos (SP), da Academia Paraense de Letras Jurídicas, da Academia Paraense de Letras, da Academia Brasileira de Ciências e Letras (Câmara Brasileira de Cultura), da Academia Brasileira Rotária de Letras (ABROL) - Seção do Oeste do Pará, da Academia de Música de São José dos Campos (SP), da Academia de Música de São Paulo, da Academia de Música de Presidente Prudente, da Academia Brasileira de História, da Academia de Música da Amazônia, da Academia de Filosofia do Brasil, da Academia de Musicologia de São Paulo. Membro Honorário do Instituto dos Advogados do Pará. Sócio Benemérito da Academia Vigiense de Letras (Vigia de Nazaré-PA). Sócio Honorário da Academia Paraense de Jornalismo.

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