Publicado em: 18 de março de 2025
Um ambiente que deveria ser totalmente dedicado à pesquisa e à colaboração científica transformou-se em um verdadeiro pesadelo de isolamento e medo, digno de um filme de terror. Uma equipe de dez cientistas sul-africanos, que estão na estação de pesquisa Sanae IV, na Antártida, enviou um pedido urgente de socorro após um de seus membros apresentar comportamento instável e violento, inclusive colocando a vida dos colegas em risco.
A situação foi publicada pelo jornal sul-africano Sunday Times, que recebeu um e-mail de um dos pesquisadores contando sobre as agressões físicas e ameaças de morte feitas por um dos integrantes do grupo. O cientista relatou que um dos outro nove membros da equipe agrediu fisicamente um colega, ameaçou matar outro e teria cometido um abuso sexual. Contudo, as autoridades sul-africanas mais tarde negaram a alegação de agressão sexual, informando que a denúncia estava incorreta.

O caso mostra os riscos psicológicos enfrentados por cientistas que passam meses isolados em ambientes extremos, onde a convivência restrita e as condições climáticas adversas podem exacerbar tensões.
Após a divulgação do e-mail, o Ministério do Meio Ambiente da África do Sul, responsável pelo programa científico, reconheceu que um caso de agressão de fato ocorreu e afirmou estar avaliando opções para lidar com a crise.
O ministro Dion George confirmou a existência do episódio de violência e declarou que “uma intervenção está em andamento” para tentar conter a situação. Segundo ele, o agressor teria se mostrado arrependido e passou por uma reavaliação psicológica voluntária. No entanto, as informações disponíveis indicam que os colegas ainda temem pela própria segurança e que o clima de tensão na estação permanece elevado.
A equipe só deveria ser substituída em dezembro de 2025, uma vez que as severas condições climáticas impedem viagens frequentes à base. A única maneira de retirar um dos membros antes desse período é através de uma operação emergencial, uma alternativa difícil e de altos custos.
O e-mail que denunciou a situação foi enviado por um dos cientistas a bordo e contém relatos preocupantes sobre o comportamento do colega agressor: “lamentavelmente, o comportamento chegou a um ponto extremamente perturbador. Ele agrediu [nome omitido] e ameaçou matar [nome omitido].”
“Estou extremamente preocupado com a minha própria segurança e questiono-me constantemente se poderei ser a próxima vítima. (…) É imperativo que uma ação imediata seja tomada para garantir a segurança de todos.”
A mensagem também aponta que já haviam sido levantadas “numerosas preocupações” sobre o comportamento do agressor desde o início da missão, quando a equipe foi deixada na estação pela embarcação SA Agulhas II, em dezembro do ano passado.
A estação Sanae IV, localizada a cerca de 160 quilômetros ao sul da plataforma de gelo da Antártida e a mais de 4.200 quilômetros da Cidade do Cabo, enfrenta temperaturas que podem chegar a -23ºC. Nessas condições, as equipes dependem completamente dos suprimentos e da estrutura da base para sobreviver até a chegada de uma nova expedição.
Composta por edifícios sustentados por pilares de aço sobre uma encosta de gelo, a base abriga cientistas que conduzem pesquisas sobre campos eletromagnéticos, geologia e biodiversidade antártica. A missão da equipe deveria continuar até dezembro, quando o navio SA Agulhas II partiria da África do Sul para trazer os pesquisadores de volta.

A estação sul-africana não é a única base de pesquisa na região. Há outras estações administradas por países europeus nas proximidades: a base alemã Neumayer III, a cerca de 220 km de distância, e a base norueguesa Troll, a 190 km ao sudeste. Apesar da relativa proximidade, deslocar qualquer pessoa entre as bases durante o inverno seria um enorme desafio logístico e meteorológico.
A vida em bases científicas na Antártida, como todos podem imaginar, é extremamente desafiadora, e a solidão, aliada às condições climáticas severas, pode levar ao agravamento de questões emocionais e psicológicas. Diante disso, os cientistas enviados para essas missões passam por rigorosas avaliações psicológicas antes de serem aprovados para o isolamento. No entanto, mesmo com essa triagem, casos de instabilidade emocional já foram registrados em diversas missões científicas ao longo dos anos.
Em 2017, um membro da equipe sul-africana em Marion Island, uma estação de pesquisa remota no Oceano Antártico, atacou o laptop de um colega com um machado após uma desavença amorosa envolvendo uma proposta de casamento rejeitada.
Em 2018, um pesquisador russo esfaqueou um colega na estação Bellingshausen, localizada no território antártico, supostamente após uma briga causada por desentendimentos sobre livros.
O governo sul-africano prometeu tomar medidas para garantir a segurança da equipe, mas ainda não anunciou quais serão as ações concretas. O Departamento de Meio Ambiente da África do Sul também anunciou que uma investigação completa foi aberta para avaliar a conduta do agressor e verificar se o problema poderia ter sido previsto ou evitado. O ministro Dion George afirmou que este episódio reforça a necessidade de aperfeiçoamento dos protocolos de seleção e monitoramento psicológico para evitar futuros incidentes.
Enquanto isso, a equipe permanece isolada e com medo.
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