Publicado em: 29 de outubro de 2025

Escrito por Marco Antônio Seta
Pelo histórico e centenário palco do Theatro Municipal de São Paulo, em setembro de 1976, Macbeth, de Giuseppe Verdi, ergueu-se pela primeira vez diante do público paulistano em uma produção de nobre envergadura artística. A Temporada Lírica Oficial daquele ano consagrou o título com sucesso retumbante de público e crítica especializada, marcando um capítulo memorável na história operística da cidade. Brilharam então o barítono Gian Piero Mastromei e o soprano Olivia Stapp nos papéis centrais, ladeados pelo tenor Beniamino Prior, o baixo Mario Rinaudo e a soprano paulista Helena Caggiano como a dama de Lady Macbeth, entre outros solistas convidados.

Tenor Beniamino Prior
A direção de cena foi conduzida por Lorenzo Frusca, com a orquestra sob o comando do maestro italiano Nino Bonavolontà e o Coral Lírico preparado por Marcello Mechetti. O Corpo de Baile do Theatro Municipal, em coreografia de Antonio Carlos Cardoso, completava a suntuosidade de um espetáculo de altíssimo nível. As três récitas nos dias 1º, 3 e 5 de setembro de 1976 apresentaram-se com a casa absolutamente lotada, em demonstração inequívoca do prestígio que a ópera de Verdi exercia sobre o público paulistano.
Em 1982, Macbeth retornaria com ainda maior vigor: oito récitas, dois elencos e um time expressivo de artistas da cena lírica internacional, entre os quais Antonio Boyer, Fernando Teixeira, Mabel Veleris, Giuseppina Dalle Molle e Graciela Araya Altamirano. A direção musical de Tullio Colacioppo e a cênica do italiano Walter Cataldi Tassoni reafirmavam o compromisso da instituição com a excelência artística e o respeito à tradição interpretativa verdiana.

O ciclo prosseguiu com a produção de 2002, que trouxe Juha Uusitalo, Gail Gilmore, Eduardo Itaboray, Luiz-Ottavio Faria e Sandra Felix sob a regência de Ira Levin e direção de Cristina Mutarelli mais uma vez, uma realização digna da grande casa lírica de São Paulo. Já em 2012, o título voltou em parceria internacional com a Change Performing Arts de Milão, em colaboração com a BG Promoções Culturais, resultando numa leitura cênica de Bob Wilson esteticamente ousada, inspirada no teatro Nō japonês e no simbolismo do teatro grego, protagonizada por Angelo Vecchia e Anna Pirozzi.
Agora, em 2025, Macbeth volta ao Municipal sob a égide da Sustenidos Organização Social de Cultura e, infelizmente, sob o signo do descompromisso. A produção, dirigida cênica e cenograficamente por Elisa Ohtake, e musicalmente conduzida por Roberto Minczuk, promete mais uma vez repetir a fórmula das montagens recentes: um verniz de modernidade que despreza a coerência dramática e a força trágica da partitura de Verdi.
A Sustenidos, que há anos vem conduzindo o Theatro Municipal a um processo de descaracterização institucional, demonstra não compreender ou não respeitar o valor simbólico e histórico das obras que administra. O Macbeth que se anuncia parece menos um tributo ao gênio de Verdi e mais uma tentativa de enquadrar o clássico em moldes experimentais e conceituais, diluindo sua potência expressiva e o sentido político de sua tragédia.
Num teatro que já viu passar regentes como Bonavolontà, Colacioppo e Levin, e diretores cênicos de refinamento como Frusca e Tassoni, o que se espera é continuidade, reverência e qualidade. Contudo, sob a gestão da Sustenidos, prevalece a superficialidade travestida de inovação, o discurso cultural esvaziado de substância, e a ruptura gratuita com o legado que fez do Theatro Municipal uma referência internacional.

O público paulistano herdeiro de uma tradição lírica centenária merece mais do que montagens apressadas e experimentações estéticas de ocasião. Merece o Macbeth de Verdi em sua plenitude: trágico, denso, político, musicalmente rigoroso e fiel à grandeza do compositor e da casa que o abriga.
O que se aguarda, portanto, não é apenas a estreia de uma nova produção, mas a esperança de que o Theatro Municipal volte, um dia, a ser conduzido por quem compreenda a arte lírica como patrimônio e não como laboratório de vaidades culturais.









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