Publicado em: 16 de março de 2025
Do Intercurso terra-água, o ritmo da vida da margem dos rios.
Do horizonte das primeiras horas, um céu ainda tímido, indefinido.
Dá para ver o sol escondido por detrás das linhas distantes, entremeando água e luz iridescentes.
Lá longe garças elegantes mergulham por alto no manto de águas azul-cinzentas, bailando.
O barco pequeno, estreito e tímido rebate as paredes de água, brincando de esconde-esconde na curva feminina do planeta acolá, longe.
O mítico peixe gris salta em arco e desaparece para dentro da grande vesícula seminal.
Um vento maroto levanta as anáguas coloridas dos ipês sonolentos, amarelos de timidez matinal.
Há homens fortes erguendo nos ombros grandes caixas brancas.
Os barcos de pesca encostam as ilhargas no pequeno cais:
tocam e recuam, tocam e recuam, tocam e recuam, até atracar de laço forte a corda-cordis que abraça o Porto, dançando por sobre a onda surda, resoluta, sinuosa, nessa briga contra a pedra do arrimo.
Ligeira e pequena, a mulher espera o pesqueiro, o pescado, a vida içada para dentro das redes de malha, agora, dormindo em um leito de gelo e sal.
O outro barco ao lado, robusto, armado até o teto de redes para deitar.
O barco de recreio traz de paragens outras o homem que viaja por estradas líquidas,
de holofotes como farol,
de ondas engolindo proas e arremessando popas para o alto.
Toca e recua, toca e recua, toca e recua…
As ondas brincam de atirar bombordo até o arrimo do cais.
Expulsam o barco para fora.
Expulsa e acolhe, expulsa e acolhe, expulsa e acolhe.
Meu coração pequeno e apertado é como aquela boia pneumática que protege a borda do barco das pedras do velho cais.
É a ânsia nauseada das partidas-chegadas.
É uma mágoa curtida na glote, descendo para dentro,
Mágoa de águas roubadas para baixo das pedras do cais, naquela hora de final da manhã meio cinza.
Lá longe uma cortina de água veloz avança por sobre o rio e invade a terra,
que se veste, bela, de terracota-cor.
É tempo de águas grandes. Águas voadoras e águas de colubreio:
veias móveis rasgando o manto verde e as terras de margens imprecisas, borradas de barrancos barrocos, subindo ribanceiras, descendo desfiladeiros, arremessando o fluido-sêmen da vida fluvial.
Tempo de céu volúvel, plúmbeo, semovente, para deixar brincar de encontrar nas nuvens densas animais ferozes em seus corpos mutantes de cumulonimbus, uivando, grunhindo, tilintando, crepitando, estourando, estrondando, atirando coriscos das nuvens, até se derramarem em brutas águas oblíquas sobre o chão nu, receptivo à cópula penetrante e voraz.
Agora a cidade toda exala um cheiro indefinível de terra molhada.
Comentários