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As Defensorias Públicas dos Estados e da União possuem um modelo corajoso e inovador de interação com a sociedade civil e fiscalização de suas próprias medidas: A Ouvidoria Pública Externa.

As Ouvidorias Públicas são estruturas internas dos órgãos públicos voltadas para o atendimento direto do cidadão ou cidadã usuários e usuárias do serviço que por diversos motivos tem alguma reclamação ou sugestão a fazer, visando a solução daquele problema pontual e também de uma forma mais global propor à administração pública medidas permanentes de correção de rumos por meio de apresentação de relatórios estatísticos dessas mesmas reclamações e apontamentos de possíveis soluções.

Trata-se de uma figura notável de aperfeiçoamento das instituições, mas que embute em sí um risco que é comum a todo o serviço público: Ser ocupado por pessoas do próprio órgão, o que acaba por fragilizar sua atuação ante a interesses naturalmente corporativistas e potencialmente distantes do anseio social.

Por isso a partir do modelo implantado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a Lei Complementar Nacional 080/94, com as alterações de 2009, prevê expressamente que todas as Defensorias Públicas do País implantem um modelo externo de ouvidorias, ocupadas por pessoas de fora do próprio órgão.

Mas como isso se dá, e qual a real vantagem disso?

Antes é preciso entender um pouco do dia-a-dia da atuação da Defensoria Pública: A Defensoria Pública atua em causas individuais e coletivas, de forma judicial e também extrajudicialmente, que envolvem direitos de pessoas e grupos vulneráveis em áreas extremamente sensíveis como Direitos Humanos, Infância e Juventude, Criminal, Execução Penal, Violência Doméstica, Consumidor, Agrária, Fazenda Pública, etc.

Obviamente para tratar de temas tão diferentes e complexos, existem nuances a serem compreendidas que superam em muito apenas leis, precedentes judiciais e estratégias processuais, estes que fazem parte naturalmente do conhecimento do membro ou membra da Defensoria Pública. As questões históricas de vulnerabilidades de cada grupo e suas lutas e experiências pessoais e coletivas normalmente não são do domínio do Defensor ou da Defensora, pois estes e estas quase sempre se originam de outras camadas da sociedade (elites econômicas e sociais).

O Modelo de Ouvidoria Externa, atualmente já presente em 17 das 27 unidades da federação (além da União), e em diversos locais em fase de implantação. Segundo dados da Pesquisa Nacional da Defensoria Pública, em 2021, em plena pandemia e ainda com 14 unidades funcionando, realizou mais de 64 mil atendimentos em todo Brasil.

As regras de formação do modelo externo possuem alguns requisitos importantíssimos. São escolhidos em votação aberta a partir de listas de pretendentes formadas pela sociedade civil organizada.

A propria sociedade civil indica candidaturas e as entidades com representatividade comprovada possuem direito de voto. As 3 candidaturas mais votadas pela propria sociedade civil são indicadas ao Conselho Superior da Defensoria Pública, que em processo aberto e público, realiza uma sabatina e homologa a lista de votação e sua ordem, cabendo a Defensoria Geral a escolha final e a nomeação.

Com a garantia de que a ouvidoria será ocupada por pessoa com ampla experiência e articulações com a sociedade civil, pois oriunda da mesma, a interlocução da Defensoria Pública com seu público-alvo ganha uma força e representatividade notáveis, fortalecendo os debates internos no próprio Conselho Superior (a qual terá assento com direito a voz) e o planejamento das políticas públicas da própria instituição.

Em termos práticos, a Ouvidoria é um elo fundamental da Defensoria Pública com a Sociedade Civil: Se há um roda de conversas com grupos quilombolas e indígenas para expor seus dramas e necessidades, lá está a Ouvidoria Externa. Se há um audiência pública sobre o aumento dos casos de violência doméstica de gênero e feminicídios, estará presente a Ouvidoria Externa. Se há uma reclamação que uma pessoa com deficiência não recebeu um atendimento adequado, adaptado e humanizado na própria DP, lá estará a Ouvidoria Externa colhendo, acolhendo e adotando medidas para dirimir o problema, com sugestões e apresentação de demandas à própria administração do órgão.

Ao fim, as Ouvidorias Externa representam o que há de mais inclusivo e democrático no respeito aos direitos dos vulneráveis, na busca de um atendimento verdadeiramente humanizado, horizontalizado, permitindo que os grupos historicamente marginalizados sejam de fato bem representados pela Defensoria Pública em seus anseios e direitos tradicionalmente violados.

Bruno Braga Cavalcante
Defensor Público do Estado do Pará, Pós Graduado Lato Sensu em Direito Público e Privado, Especialista em Gestão Pública, Coautor de obras jurídicas e articulista.

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