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“É muito comum ouvirmos a seguinte expressão: “os presos são um peso para sociedade. Custam muito caro e ficam lá sem fazer nada”.

Essa história, sem prejuízo de debates sociológicos acerca desse tipo de afirmação, vem gradualmente sendo superada.

Antes de mais nada, é preciso ter em mente três vetores fundamentais no nosso sistema punitivo:

– Que não existem penas perpétuas ou de morte no Brasil, por expressa ou implícita vedação constitucional.

– Que mesmo as pessoas no cárcere são sujeitos de direitos como qualquer outro ser humano.

– Que o caráter punitivo e segregador da pena é apenas uma das vertentes de uma condenação, sendo também objetivo desta a “ressocialização”.

Críticas à parte sobre a possibilidade de ressocializar alguém historicamente marginalizado que jamais tenha sido socializado anteriormente, é fato que um dos objetivos da pena é justamente o retorno ao convívio social do condenado em plenas condições de viver integrado e em liberdade.

Tradicionalmente existe um sistema de remição (desconto até eventual perdão) de pena pelo trabalho. A cada três dias de trabalho no cárcere, desconta-se um dia da pena.

Nos últimos anos, uma nova modalidade de remição de pena tem ganhado cada vez mais destaque: A Remição pela Leitura.

No Estado do Pará, a Defensoria Pública foi pioneira em levantar esse debate e estabelecer parceria com a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária para desenvolver projetos piloto nesse sentido.

Ainda que tenha iniciado timidamente e ainda caminhe distante da velocidade necessária, o instrumento da remição pela leitura vem cada vez mais se espraiando no cárcere paraense.

De acordo com informações oficiais da Seap, em 2021 existiam 154 internos participantes do projeto, já em 2022 esse número aumentou para 921 e em 2023 subiu para 1.245 internos.

Essa modalidade de educação e estímulo à cultura vem se solidificando como uma importante ferramenta para manter não apenas a tranquilidade no ambiente carcerário, mas sobretudo oferecer uma perspectiva inteligente e consistente de estimular as pessoas privadas de liberdade a realizar a leitura, empoderando-as e facilitando sua reinserção no mercado de trabalho ou mesmo nos bancos escolares quando saírem do cárcere.

Mas afinal, o que é a remição pela leitura?

É um direito do condenado a ter redução de 4 dias de sua pena a cada 1 livro lido ou resenhado.

O controle de frequência e desenvolvimento das atividades no Estado se dá de múltiplas formas. A mais comum é a leitura de um livro no prazo de 30 dias. Encerrado o período o custodiado deve produzir uma resenha da obra, que será colhida e avaliada por equipe profissional.

Para se ter uma ideia do poder de transformação dessa iniciativa, em âmbito nacional, dos 748 mil presos no Brasil, pelo menos 327 mil não completaram os nove anos do ensino fundamental e 20 mil são considerados analfabetos. A direção de 64% dos estabelecimentos penais informou haver internos em atividade educacional, mas apenas 123 mil pessoas presas estão matriculadas a alguma dessas atividades. Desse total, 23.879 participam de algum programa de remição pela leitura, de acordo com levantamento de 2019 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), com base em informações prestadas pela direção das unidades prisionais do Brasil.

Com o objetivo de cuidar da padronização desses pedidos de remição pela leitura ganhou força o debate e foi editada a Resolução 391/2021 do Conselho Nacional de Justiça, que estabelece a concessão desse direito com base no preenchimento de uma série de condições e requisitos para que o pedido do reu seja analisado e deferido.

Em um país como o que vivemos no qual a população possui ainda grau altíssimo de analfabetos e analfabetos funcionais, a chance do custodiado em recomeçar sua vida a partir da leitura é maravilhosa.

Ao final, deixo a seguinte indagação para reflexão:

Você prefere que as pessoas, ao saírem do cárcere e tenham cumprido a pena de forma menos célere, estejam continuadamente excluídas de qualquer medida que vise beneficiar a elas próprias e a sociedade em geral, ou que estejam engajadas na melhoria de sua própria educação para galgar uma formação mais ampla e que auxilie em nova colocação no mercado de trabalho?

A resposta é intuitiva para mais de 80% dos brasileiros: a educação é a melhor política pública de prevenção de crimes que se tem notícia.”

Bruno Braga Cavalcante
Defensor Público do Estado do Pará, Pós Graduado Lato Sensu em Direito Público e Privado, Especialista em Gestão Pública, Coautor de obras jurídicas e articulista.

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