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A palavra imagem possui, como todos os vocábulos, diversas significações.[i] Esta assertiva de Otávio Paz, em Signos em Rotação, é a categoria argumentativa para interpretar a função da imagem no texto poético.

Por que arrisco afirmar que a era da informação e a era da inteligência artificial têm, como horizonte para novas fronteiras comunicativas, o domínio da linguagem poética?

Estávamos em um diálogo trivial, meu filho e eu, quando o desafiei a recitar um poema. Enquanto me preparava para formular uma pequena catilinária no jovem vintegenário,  segura de tê-lo flagrado nessa lacuna intelectual, ele ergueu o tom de voz e começou a recitar alguns versos de Ozymandias.

Guardei no bolso secreto o sermão, por onde as mães escondem todas as missões de colonização dos filhos no território de preferências por gostos seus, engoli as palavras não ditas e, curiosa para saber de onde o jovem rapaz havia coletado o poema de Shelley,  iniciei um pequeno diálogo,  desta vez em tom solene, sobre o belo poema dedicado à memória do Faraó Ramsés II.

O garoto elevou ainda mais o tom professoral e, para o meu absoluto espanto, compartilhou sua interpretação, divergente da minha, acerca da efemeridade da vida e sobre o eventual memento Mori imbricado no belo soneto.

Com todo o respeito ao meu jovem interlocutor, perfurei a superfície do diálogo,  com a lâmina da astúcia afiada pelo tempo alinhavado entre uma geração e outra, até chegar à fonte de onde o garoto extraiu a leitura do poema.

Redes sociais! Meu interlocutor, assíduo nas querelas bizantinas atuais –  as tretas do X e das postagens de Instagram -, conheceu e se encantou com a poesia de Shelley a partir de debates nas redes sociais.

De um salto nas tretas intermináveis; outro nos sites de busca de conteúdos, as gerações das redes sociais formulam teses sobre muitos assuntos. Por que a poesia, no ecossistema das tretas,  é uma ferramenta discursiva hábil à produção de debates homéricos?

Significados. A poesia é o lócus privilegiado da palavra imagem, da polissemia,  da linguagem figurada, dos jogos de palavra, da captura dos trânsitos, da sugestão e da recriação do ser. Os emojis e as gírias, ferramentas de comunicação nas redes digitais, veiculam sentidos e significados extratextuais em um campo discursivo de onde, há milênios, o poema têm domínio. É esta possibilidade comunicativa a porta de entrada da poesia para o etos digital.

Conheci e me deleitei com os poemas de uma jovem indiano-canadense, Rupi Kaur. agora com 31 anos, ela ganhou a cena digital com seus belos poemas. A linguagem simples e intimista de Kaur acena para todas as possibilidades comunicativas da linguagem atemporal da poesia.

Para mim, amante apaixonada pela linguagem poética, é assustadoramente belo investigar nas redes sociais e descobrir o interesse festivo dos habitantes do mundo digital, onde transitam zonas intergeracionais, pela linguagem poética; arena das intermináveis possibilidades de sentido, quando se esvaziam os conteúdos das gírias, gifs, memes e emojis.

Compartilhar emoções, impressões,  sentimentos, ideias e estados de alma através de um poema é um campo vasto e fecundo de possibilidade comunicativa.

Para falar sobre a emoção de extrair sentidos das palavras, um dia desses, metapoetizei sobre o fazer poético, comparando a lavra do texto com o ato de tomar um gole de vinho, chacoalhando-o antes de engoli-lo. Eis o produto desse exercício:

          Engoli um poema

Ele estava ali, tão perto, soberbo, magnânimo,  apetitoso, aromático, colorido e quente.

Não resisti.

Não cheirei e nem examinei.

É verdade e dou fé.

Canibalística e avidamente traguei o poema.

Observei,

Cheirei,

Desejei e sorvi.

O poema arremeteu para o dorso da língua, que, musculosa e selvagem atirou-o para o teto da boca.

Lânguido,  o poema ricocheteou nas traves da garganta, fugiu para as extremidades e deitou nas cavidades do leito da boca.

Ficou ali, por algum tempo, conquistando com a ponta da língua o sal de sílabas-métricas;

Pelo dorso, o doce do verso;

No céu da boca lançou o aroma do romance encaixado.

Demorou ali o tempo exato da métrica dos sentidos.

Zap!

Pegou carona com um suspiro e encheu-me a cabeça com o cheiro ligeiro de rosas e íris: margaridas e lírios; magnólias de verde himeneu.

Chacoalhei na boca o poema, que explodiu, deu cambalhotas pelas bochechas; tilintou os tímpanos e encheu de sentidos todas as rimas.

Bêbado, o poema revelou veludos velados de versos Alphonsis;

Cores inéditas nas telas daqui e Dali:

Vermelho, novo gris-de-anis;

Cheiros de enfant-térrible, O Nariz;

O sexto paladar: amor-para-dar.

Camélias mélicas de Madame? Dá-me.

O poema, exausto, quebrou como onda que morre na praia dos oceanos da palavra-cor, aroma, sabor e desceu sereno, gargântua adentro.

Eu, fa-mélica,  devorei-o como Pantagruel.

Os signos poéticos oferecem o bouquet, o toque, a imagem e sons para o mundo insípido e inodoro do écran digital.                 

Já estou curiosa e excitada com as musas invocadas por IA!   É apaixonante andar por essas veredas coloridas, cheirosas, macias e melodiosas: o domínio da poesia.


[i] PAZ, Otávio. Signos em Rotação.  São Paulo: Perspectiva, 2009.

Shirlei Florenzano Figueira
Shirlei Florenzano, advogada e professora da Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA, mestra em Direito pela UFPA, Membro da Academia Artística e Literária Obidense, apaixonada por Literatura e mãe do Lucas.

Uma história leva à outra, n° 18

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