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Há uma máxima que diz “Você quer conhecer o nível de civilidade e de democracia de um páis? Observe como ele trata seus presos”.

Não é de hoje que o sistema carcerário nacional é completamente caótico e excludente. Embora existam louváveis iniciativas de diversos estados de redução de danos com esforços para integrar egressos na sociedade e que merecem todos os aplausos e apoio, o fato é que o problema é sistêmico e estrutural.

Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que o sistema penal brasileiro possui nada menos que 834 mil pessoas, sendo 28% provisórias (sem condenação definitiva) e 72% definitivas. Considera-se nesse número também aqueles que cumprem pena ou medida cautelar em regime aberto e/ou monitoramento eletrônico. Segundo o estudo, desse montante 75% tem escolaridade até o nivel fundamental, 46% são prisões decorrentes de crime contra o patrimonio privado e 28% por tráfico de drogas. 68% são autodeclarados negros, Tais dados demonstram o indiscutível: O Sistema marginaliza os já marginalizados. Jovens. Negros. Pobres e com Baixa Escolaridade. E a cifra de pessoas privadas de liberdade só cresce a cada ano, ainda que tenhamos leis cada vez mais rígidas com penas maiores e menos direitos a processados e condenados.  

Já temos a terceira maior população carcerária do planeta. E estamos rumo ao topo. Sem que com isso a população se sinta mais segura em suas casas ou nas ruas. Pelo contrário. Os movimentos de maior rigor e punição contra crimes normalmente praticados por pessoas pretas, pobres e periféricas apenas se fortalecem.    

Em 2015, o Supremo Tribunal Federal foi provocado a enfrentar esse espinhoso tema na ADPF 347, e em 2021, em análise liminar, pela primeira vez acolheu o entendimento de que nosso sistema carcerário se trata de verdadeiro “Estado de Coisas inconstitucional”, em razão da enormidade de violações a direitos humanos e das degradantes condições do cárcere e no trato com cidadãos processados criminalmente. Naquele período também se determinou a obrigatoriedade da realização de audiências de custódia em 24 horas após as prisões, para se verificar a necessidade de continuidade das mesmas e e apurar eventuais excessos e abusos por parte do Estado na realização dessas prisões.  

Passados 8 anos, o Supremo finalizou o julgamento da Ação neste mês de Outubro, agora sob a condução (voto-vista) do Min. Luis Roberto Barroso. O Voto confirma a decisão concedida, acrescentando novas determinações aos Poderes Executivo Federal e Estaduais para que apresentem diagnóstico de cada realidade e apresentem um plano de enfrentamento da questão no prazo máximo de 6 meses, sendo monitorado pelo Tribunal e também pelo CNJ.

Como é um tema que move paixões, destaco trecho do voto do Ministro, atual presidente da Corte.  

“”As demandas por melhores condições nas prisões são extremamente impopulares junto à opinião pública. Há uma certa resistência à ideia de que um país com recursos escassos e demandas sociais infinitas destine parte de tais recursos às pessoas que entraram em conflito com a lei, em prejuízo de outros grupos vulneráveis. Há, contudo, duas razões essenciais para dar atenção aos direitos dos presos: a primeira, ligada ao respeito aos direitos fundamentais protegidos pela Constituição e por outros diplomas. E a segunda, relacionadas ao impacto que o sistema prisional produz sobre a sociedade em geral”.        

As principais medidas são:

 – que há um estado de coisas inconstitucional no sistema penitenciário brasileiro;

 determina que juízes e tribunais façam audiência de custódia, preferencialmente de forma presencial, em até 24 horas a contar da prisão;

 – que a não aplicação de medidas cautelares e penas alternativas sejam fundamentadas pelos juízes;  

– ordena a liberação e o não contigenciamento dos recursos do Fundo Nacional Penitenciário;

– determina a elaboração de plano nacional, estadual e distrital para a superação do estado de coisas inconstitucional, com indicadores que permitam o acompanhamento e a implementação dos planos;

–  define o prazo de até seis meses para a apresentação do plano e de até três anos para a implementação;

Sabe-se que a questão é histórica e de muito difícil enfrentamento, posto que impopular em boa medida. Mas o STF, que foi acionado, vem enfrentando problemas complexos com bastante inteligência, ao convocar para o diálogo, para promoção de estudos e estabelecimento de metas e ações concretas os diversos entes envolvidos neste tema tão delicado quanto urgente, compartilhando responsabilidades sem abrir mão de que se deem passos firmes para melhor proteção dos direitos humanos.

Uma bela política pública de redução de danos está desenhada. A conferir os resultados, que perpassa também fundamentalmente por uma mudança de mentalidade excessivamente encarcerizadora e punitivista que povoa boa parte daqueles e daquelas que lidam no dia-a-dia dos processos e prisões dos “indesejáveis”.  

A democracia brasileira se deseja ser considerada evoluída, anseia para que se puna as pessoas na justa medida de seus crimes, sem violações e humilhações direcionadas a quem por gerações já é violado e humilhado, trabalhando causas e consequências e que verdadeiramente se caminhe para a inclusão de milhares de pessoas atualmente envoltas na criminalidade com oportunidades de resgate social, estudo, trabalho e renda.

Afinal, se não for por altruísmo e empatia, que seja por pragmatismo, reflitamos: quando não mortos, eles retornarão à sociedade mais cedo ou mais tarde. Como queremos que tais pessoas estejam? Integradas ou mais excluídas? Se continuarmos com a segunda opção, alimentaremos ainda mais o círculo vicioso, com mais crimes, mais espaço para o fortalecimento do crime organizado e mais vítimas de crimes violentos e letais. E mais prisões degradantes.

Até quando?

Bruno Braga Cavalcante
Defensor Público do Estado do Pará, Pós Graduado Lato Sensu em Direito Público e Privado, Especialista em Gestão Pública, Coautor de obras jurídicas e articulista.

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