0
 

Na tarde de 20 de maio, o grande ícone da cultura marajoara Mestre Damasceno foi agraciado com a Ordem do Mérito Cultural, a mais alta honraria pública concedida pelo Ministério da Cultura. Em cerimônia solene no Palácio Gustavo Capanema com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da ministra Margareth Menezes, o reconhecimento remete a uma trajetória de mais de cinco décadas de dedicação à música, às tradições quilombolas e à cultura popular amazônica.

A condecoração é símbolo de um momento histórico: em 2025, o Ministério da Cultura completa 40 anos de criação, e a Ordem do Mérito Cultural homenageia personalidades que representam a diversidade e a riqueza cultural do Brasil. Mestre Damasceno, depois de perder a visão aos 19 anos em um acidente de trabalho, reinventou a própria vida com base na ancestralidade, nos ritmos da terra e na oralidade, tornando-se referência no carimbó pau e corda, nas toadas marajoaras e nas encenações do Búfalo-Bumbá, expressão que ele mesmo criou e dirigiu, mesclando teatro popular, cultura quilombola e elementos da fauna amazônica.

Ao lado da ministra da cultura e cantora Margareth Menezes

Compositor de mais de 400 músicas autorais e seis álbuns lançados, mestre Damasceno é também fundador do Conjunto de Carimbó Nativos Marajoara, criado em 2013. O grupo carrega a estética e o som das raízes marajoaras em produções que mantêm viva a tradição, mas também dialogam com a contemporaneidade.

Seu engajamento vai além da música: em 2012, mestre Damasceno idealizou o espetáculo Búfalo-Bumbá, que reinterpreta o auto do boi a partir da identidade marajoara. É ele quem escreve os roteiros, desenha os figurinos e dirige as apresentações, criando um universo cênico profundamente enraizado nas experiências das comunidades quilombolas da região.

Nos últimos anos, o mestre também criou o Cortejo Carimbúfalo, que reúne música e encenação em cortejos de rua, e o Festival de Boi-Bumbá de Salvaterra, que celebra os “colocadores de boi” das comunidades locais, valorizando o saber coletivo e a tradição passada de geração em geração.

A verdade é que o poder público não faz mais do que sua obrigação ao homenagear mestre Damasceno. A relevância dele e dos demais mestres e mestras da cultura tradicional do Pará é incontestável e ainda hoje suas vidas e obras não recebem a atenção e a valorização que merecem – tampouco a gratificação financeira necessária para uma vida digna. São eles os guardiões da oralidade, dos gestos, dos ritmos e das festas que mantêm vivas memórias ancestrais e modos de vida profundamente ligados aos territórios.

No Pará, personalidades como mestre Damasceno cumprem um papel insubstituível na resistência cultural frente às ameaças da homogeneização cultural e das transformações aceleradas nos modos de habitar o território amazônico. Seus saberes, muitas vezes não sistematizados pela academia, alimentam uma pedagogia da ancestralidade, da oralidade e da convivência com a natureza.

Reconhecê-los oficialmente por meio de políticas públicas, prêmios e ações de valorização é um passo fundamental para decolonizar o que nos foi imputado a reconhecer como conhecimento e consolidar uma noção de cultura plural, inclusiva e enraizada nos modos de vida das comunidades tradicionais.

Screenshot

Fotos: Mestre Damasceno / Redes Sociais

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

Unama sedia o XII Encontro Brasileiro de Administração Pública 

Anterior

Trump suspende autorização de Harvard para matricular estudantes internacionais

Próximo

Você pode gostar

Mais de Notícias

Comentários