A prestigiada revista “Science” publicou, pela primeira vez em sua história, um artigo assinado por cientistas indígenas da Amazônia. O texto, intitulado “Indigenizing conservation science for a sustainable Amazon” (“Indigenizando a ciência da conservação para uma Amazônia Sustentável”), propõe uma colaboração estreita entre o conhecimento ancestral dos povos originários e a ciência ocidental para enfrentar os desafios ambientais que ameaçam a maior floresta tropical do planeta.
Assinam o artigo quatorze cientistas, cinco deles pesquisadores dos povos Tuyuka, Tukano, Bará, Baniwa e Sateré-Mawé: Justino Sarmento Rezende, João Paulo de Lima Barreto, Silvio Sanches Barreto, Francy Baniwa e Clarinda Sateré-Mawé. Todos do grupo são ou já foram vinculados ao projeto Brazil Lab, da Universidade de Princeton. Os cientistas indígenas também são vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Amazonas (PPGAS/UFAM). São parceiros do estudo o instituto Serrapilheira e a Universidade Federal de Santa Catarina.
Durante mais de 12 mil anos, os povos indígenas da Amazônia desenvolveram uma compreensão única sobre a dinâmica ecológica da floresta, contribuindo significativamente para sua conservação. O artigo dá voz aos povos indígenas e enfatiza que salvar a floresta é também sobre proteger as pessoas que a habitam. Os saberes indígenas não foram elaborados na academia, mas na vivência do dia a dia nas aldeias e são essenciais para a preservação da vida. É essencial que sejam preservados.
O artigo defende que a ciência ocidental precisa abandonar seu histórico de apropriação e supressão do conhecimento indígena, promovendo uma colaboração transdisciplinar e intercultural. Segundo os autores, territórios indígenas conservam pelo menos um terço dos ecossistemas terrestres “naturais” remanescentes, prevenindo a degradação ambiental e protegendo espécies ameaçadas. É imperativo que a sociedade ocidental abandone o posicionamento colonialista que desconsidera e diminui o conhecimento indígena, catalogando como religiosidade ou crença e permeando preconceitos que dificultam o reconhecimento da ciência indígena.
A publicação do artigo na “Science” foi resultado de dois anos de negociações. O apoio de Yvette Running Horse Collin, cientista indígena americana do povo Oglala Lakota, foi fundamental para convencer o editor-chefe da revista, H. Holden Thorp, sobre a relevância do tema. A publicação do editorial “A ciência precisa dos povos indígenas”, em setembro de 2024, abriu caminho para o reconhecimento da importância dessa colaboração.
A Amazônia armazena entre 150 e 200 bilhões de toneladas de carbono e abriga mais de 410 povos indígenas distintos, que possuem direitos territoriais sobre 27% da região. Apesar disso, a pressão para converter a floresta em terras agrícolas, pastagens e zonas industriais continua ameaçando sua existência. “Precisamos construir pontes entre as comunidades científicas e os povos indígenas”, concluem os autores do artigo, que faz parte do trabalho desenvolvido no Brazil Lab da Universidade de Princeton.
Ao integrar os sistemas de conhecimento indígenas e ocidentais, o artigo reconhece o valor do saber ancestral e sugere soluções inovadoras para a conservação da Amazônia. Como maior floresta tropical do mundo, a região representa uma oportunidade única para um diálogo frutífero entre diferentes formas de saber, com benefícios que se estendem muito além de suas fronteiras.
A versão em português do artigo pode ser lida aqui.
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