Existe coisa pior que a ingratidão? A pessoa não somente não reconhecer os benefícios recebidos de outrem e ainda por cima “cuspir no prato que comeu”, no dizer popular? Realmente, a ingratidão é um dos piores defeitos do ser humano, senão o pior. Muita coisa poderia ser dita sobre a ingratidão e muitos casos poderiam ser contados, mas não vamos aqui filosofar sobre o lado negativo. Pelo contrário, vamos falar da gratidão… da gratidão que veio de além-túmulo… Mas assim já estamos adiantando o final da história! Vamos, pois, começar do princípio…
Damião Alves Pinheiro, filho de Curuçá, mas residente em Belém há vários anos, é verdadeiro “pau pra toda obra”. Atualmente é pedreiro (dos bons, diga-se de passagem), mas já foi agricultor, lenhador e exerceu várias outras profissões. Mora atualmente no bairro do Atalaia, na rua Santo Odílio. Foi Damião que contou a história que segue.
Na década de 70 aconteceu com o pai de Damião, o agricultor Benedito Vaz Pinheiro, de apelido Padeiro, um fato fora do comum. O porquê do apelido de Benedito, nem ele sabe. É verdade que todo mundo no interior tem apelido, mas geralmente um apelido que tenha alguma coisa a ver com a pessoa. Não era o caso: Benedito não era Padeiro, nunca vendera pães nem ao menos tinha trabalhado em uma padaria. Mas o apelido era Padeiro e como Padeiro era conhecido em Vista Alegre, Município de Curuçá, e adjacências.
Um dia pela manhã, ao sair para trabalhar, encontrou no roçado, caído, um velho amigo. Abaixou-se para ver do que se tratava e só então verificou que o amigo havia sido atropelado e estava bastante machucado. Correu a pedir socorro e com o auxílio de outras pessoas conseguiu tirar o acidentado dali e, com muita dificuldade, levou-o até um hospital. Não adiantaram os cuidados e providências tomadas: pouco tempo depois o atropelado morria, deixando a saudade aos seus amigos, principalmente a Padeiro, que era companheiro de farras e de futebol do falecido… Quantas peladas jogaram e quantas farras fizeram juntos no quilômetro 42, em Terra Alta, Mocajubinha, Vista Alegre, Bom Jardim e outras localidades próximas?
Tentaram reconstituir o acidente e ficaram sabendo que o acidentado vinha de uma farra à noite e já bastante bebido caiu no meio da estrada que leva a Vista Alegre. Como a estrada estava em recuperação, ele ficou justamente junto do camaleão formado pelas rodas dos veículos que por ali haviam passado. Então à noite, com pouca visibilidade, o veículo – por sinal dirigido pelo padrinho de Damião – acabou atropelando e deixando-o ali, pois não chegou a ser visto. Então se arrastou até o roçado, onde perdeu as forças e foi encontrado por Padeiro. Após a morte do amigo, Padeiro andou muito acabrunhado. Mas… a vida continua e logo Padeiro retornou à sua vida normal, que era cuidar do roçado e vender seus produtos no quilômetro 42 da estrada de Curuçá…!
Após uns seis meses – a morte do amigo já era apenas uma lembrança remota -, Padeiro retornava à sua casa, à noite, passando por dentro do roçado. Aí é que aconteceu um fato estranho: não conseguia achar o caminho de casa! Padeiro tinha feito compras numa mercearia da qual era freguês e as levava consigo numa velha bicicleta. Mas, por mais que andasse neste roçado que lhe era tão conhecido, não conseguia achar o caminho…! Começou a ficar com medo, medo este que foi se tornando em pavor, a ponto de perder as compras que tinha feito. Apenas a bicicleta continuava em seu poder e ele a segurava firmemente. Estava cada vez mais apavorado, quando aquela voz falou pra ele:
– Você quer ir pra casa, Padeiro?
– Quero!
No que levantou a cabeça, enxergou o caminho. Ao chegar em casa, sem as compras, todo esbaforido, foi logo contando para a mulher, afirmando que a voz era do seu velho amigo, já falecido, que viera ajudá-lo, em agradecimento ao socorro que tinha lhe prestado quando fora atropelado…
De início, Padeiro ficou com certo receio de passar pelo roçado. Depois chegou à conclusão que não tinha o que temer: afinal o que lhe acontecera tinha sido apenas a gratidão de um velho amigo, já morto, uma gratidão de além-túmulo…!
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