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Quem não conhece o jogo ou a brincadeira de bole-bole? Sabe como é, não? Tanto pode funcionar como jogo, entre duas ou mais pessoas, ou como passatempo, para quem não tem outra coisa a fazer. É uma brincadeira simples, para a qual não se precisa ter despesas. Basta um punhado de pequenas pedras e… está pronta a brincadeira. Aí é só juntar as pedras nas mãos, jogá-las para cima e apanhá-las com os dorsos das mãos. Isto feito, joga-se novamente para cima, para então apará-las novamente com as palmas das mãos e assim por diante. Pode-se brincar só ou jogar um grupo de pessoas. Neste último caso ganhará aquela que ficar com o maior número de pedras nas mãos. Bom, esta é uma modalidade, pois que regras são inventadas na hora e são bastante diversificadas… Ficamos aqui. Afinal, isto não é um tratado de bole-bole… O que queremos é pura e simplesmente contar mais uma história de visagem… porém esta é uma história diferente… uma história em que… deixa pra lá… vamos logo pra história em si… Quem me contou foi Elisângela Freitas dos Santos, que atualmente mora em Belém, mas que morava em Macapá, capital do vizinho Estado do Amapá. E foi lá que aconteceu…

– Tinha o costume de brincar de bole-bole, vai contando Elisângela, e eu adorava! Costumava jogar toda noite. Minha mãe não gostava muito e advertia: – “Olha este negócio de estar brincando de bole-bole…! Depois, as pedras ficam batendo sozinhas…”

Mas eu não acreditava: – Mamãe, isto é bobagem. É história de gente do interior. Não tem nada a ver. A gente sempre joga…!

Eu e minha irmã tínhamos umas pedras de seixo especiais para o jogo. Essas pedras, conseguimos numa viagem que fizemos junto com nosso pai para o interior, num igarapé, se não me engano. As pedras de seixo eram tão limpinhas, tão bonitas que não hesitamos em apanhá-las e trazê-las para nossa brincadeira de bole-bole… Era melhor e mais higiênico brincar com elas, pois não sujavam as mãos…

Mamãe continuava falando: – “Elisângela, pára com este jogo. Vê o que aconteceu com a tua tia…” Ela se referia a uma tia nossa que vivera uma experiência desagradável com a brincadeira de bole-bole. Mas nós, ó, não dávamos a mínima. Para nós, aquilo era crendice de gente do interior… Até que um dia…

Elisângela fez uma pausa como a se lembrar da experiência que tivera com as pedras de seixo.

– Decorria o ano de 1988.

Morávamos na Av. Nações Unidas, 1641, no bairro de Jesus de Nazaré, lá em Macapá. Naquela noite, como em tantas outras, pegáramos as bonitas pedrinhas de seixo. Mamãe mais uma vez advertiu e mais uma vez respondemos que aquilo era crendice dos caboclos…

Como de costume, jogamos um bocado. Cansadas da brincadeira, guardamos as pedras de seixo em baixo de uma mesinha que ficava na sala de jantar, defronte do nosso quarto e fomos dormir.

Já era de madrugada quando senti aquela mão fria me tocando. Era papai que tinha quebrado gelo, por isso estava com a mão fria. Ia viajar para a estrada e tinha ido se despedir. Ouvi nitidamente o barulho de carro saindo.

Passou algum tempo e de repente ouvimos aquilo batendo:

– Tec, tec, tec…

Perguntei às minhas irmãs mais velhas que dormiam no mesmo quarto o que era aquilo. Elas prestaram atenção e escutaram:

– Tec, tec, tec…

Então disseram que devia ser o papai quebrando gelo e eu disse que não podia ser, pois eu tinha ouvido o barulho do carro a se afastar. Mas, querendo acreditar no que elas tinham dito, levantei-me e fui em direção ao ruído, esperando encontrar papai. Qual não foi a minha surpresa ao sair do quarto e ver todas as pedras espalhadas no chão da sala…? Fiquei apavorada, voltei correndo para o quarto e contei às minhas irmãs… Passamos o resto da noite ouvindo as pedras baterem:

– Tec, tec, tec…

Não conseguimos mais dormir. E foi até de manhã aquele tec, tec, tec… a martelar nos ouvidos…

Há coisas em que geralmente não se acredita quando contam. Só vendo. E foi o que aconteceu comigo. Enquanto mamãe falava, enquanto contavam a história passada com minha tia, eu não acreditei. Foi preciso que acontecesse comigo…

E Elisângela concluiu:

– Ao clarear do dia, pulei da cama e dirigi-me à sala. Lá estavam as pedras todas espalhadas pelo chão… Peguei-as e fui jogá-las fora, bem longe. Desde este dia nunca mais brinquei nem joguei bole-bole… Apenas ficou na lembrança aquela madrugada com as pedras de seixo a baterem sozinhas, amedrontando a quantos ouviam aquele:

– Tec, tec, tec…

Walcyr Monteiro
Escritor, Jornalista, Educador, Poeta, Folclorista, Licenciado em Ciências Sociais e Bacharel em Economia.

Oração de Posse no Instituto Histórico e Geográfico do Pará

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