Publicado em: 11 de abril de 2025
A deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) foi uma das vítimas da violência policial, atingida por spray de pimenta, durante a manifestação de indígenas integrantes do Acampamento Terra Livre (ATL), realizada nesta quinta-feira, 10 de abril, em Brasília. O ato, que reuniu milhares de representantes de povos originários de diferentes regiões do país, teve como destino o Congresso Nacional, mas foi contido com o uso de bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo por agentes da Polícia Militar do Distrito Federal e da Polícia Legislativa.
As imagens divulgadas pelas redes sociais da deputada mostram o momento em que ela, visivelmente debilitada, reclama de dores nos olhos e tenta atravessar uma barreira de policiais para acessar a sede do Parlamento. “Eu sou deputada. Porque vocês jogaram spray de pimenta em mim? Não vai ficar assim. Meu olho está morrendo de dor”, afirma Célia Xakriabá no vídeo, sendo impedida de seguir enquanto tenta apresentar sua identificação funcional.
A parlamentar foi encaminhada ao Departamento Médico da Câmara dos Deputados e, em seguida, registrou boletim de ocorrência no Departamento de Polícia Legislativa da Casa.
De acordo com informações do Congresso Nacional, a movimentação de manifestantes foi considerada “inesperada”. Em nota oficial, a assessoria de imprensa do Senado afirmou que os indígenas ultrapassaram o limite combinado com a organização do evento, o que levou à ação de contenção pelos policiais legislativos.
A Câmara dos Deputados também divulgou comunicado informando que os manifestantes “romperam a linha de defesa da Polícia Militar do Distrito Federal, derrubaram os gradis e invadiram o gramado do Congresso Nacional”. Segundo a Casa, o acordo prévio previa que os cerca de 5 mil manifestantes permaneceriam até a Avenida José Sarney, anterior à Avenida das Bandeiras, área contígua ao gramado do Congresso.
Até o momento, os presidentes da Câmara e do Senado, Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União-AP), não se manifestaram oficialmente sobre a violência registrada contra a deputada ou sobre o confronto com os indígenas.
O Acampamento Terra Livre, maior mobilização indígena do país, ocorre anualmente em Brasília e reúne milhares de lideranças, organizações e representantes de diferentes etnias para reivindicar direitos constitucionais, territoriais e políticas públicas específicas para os povos originários.
O direito de manifestação política no Brasil é uma garantia constitucional fundamental, prevista no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que estabelece os direitos e liberdades civis dos cidadãos. Ele se insere no conjunto de direitos ligados à liberdade de expressão, de reunião e de associação.
Art. 5º, incisos IV, IX e XVI da Constituição Federal:
- Inciso IV:
“é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”
— Garante que qualquer pessoa possa expressar livremente opiniões, ideias e posições políticas, desde que se identifique e não cometa crimes como calúnia, difamação ou incitação à violência. - Inciso IX:
“é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”
— Protege formas diversas de manifestação, inclusive as de cunho político, por meio da arte, cultura ou ciência. - Inciso XVI:
“todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”
— Reconhece o direito à reunião pacífica, o que abrange atos, protestos, marchas e manifestações públicas com fins políticos, sociais ou culturais. A exigência de prévio aviso (e não autorização) garante o caráter democrático do direito.
Portanto, a manifestação política no Brasil é um direito fundamental e individual, mas também com dimensão coletiva, pois pode ser exercido em grupo. Não precisa de autorização prévia, apenas de comunicação prévia à autoridade pública para fins de organização e segurança, não podendo ser reprimida de forma violenta, exceto se deixar de ser pacífico ou se houver grave ameaça à ordem pública, como incitação à violência ou uso de armas e protegida contra intervenções arbitrárias do Estado, sendo possível questionar judicialmente eventuais abusos cometidos por autoridades durante atos públicos.
Embora seja amplo, esse direito não é absoluto. Pode ser restringido em situações excepcionais, como manifestações que incitem ao crime, ódio ou discriminação, reuniões com violência ou uso de armas e bloqueios de vias ou atividades que impeçam o funcionamento de serviços essenciais, quando não houver negociação ou alternativas, como foi o caso das manifestações golpistas de 8 de janeiro de 2023 em Brasília. Mesmo nesses casos, a intervenção estatal deve seguir o princípio da proporcionalidade e priorizar o diálogo e a mediação antes de qualquer uso de força.
O direito de manifestação política é essencial para o exercício da cidadania, pois permite que indivíduos e grupos pressionem o poder público, denunciem violações de direitos, expressem insatisfação e participem da construção de políticas públicas. Violações desse direito, especialmente por agentes estatais ou forças de segurança, podem configurar abuso de autoridade, violação de direitos humanos e atentado contra o Estado Democrático de Direito.
É inaceitável que os povos originários, que tiveram suas terras invadidas e seus corpos e modo de vida subjugados e oprimidos há mais de 500 anos continuem sendo tratados com tanta violência e brutalidade, obrigados a se adequarem cidadãos de um Estado que, supostamente, deveria protegê-los, mas continua perpetuando um padrão colonialista desumano. No caso, uma deputada ser violentada por se aproximar do Congresso Nacional, para onde foi eleita democraticamente para representar a população na Câmara dos Deputados, é completamente absurdo.
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