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Cena de “Bacurau”: longa que transita entre o realismo, o surrealismo e o filme de gênero

Contrariando a campanha maciça de desmonte da cultura nacional, o cinema brasileiro marca presença no festival de Cannes com lançamento de filmes e participação de júri oficial com o cineasta Kleber Mendonça Filho, realizador de filmes fortes como “Um som ao redor”, “Aquarius” e “Bacurau”. O festival tem encerramento no dia 17 de julho.

Ao longo de sete décadas da maior vitrine de filmes das mais diferentes nacionalidades, o Brasil se destaca em várias categorias, a despeito do desprezo institucional que atualmente avança com alvo na educação e cultura. Assim, vale lembrar que a nossa representatividade tem início com “O cangaceiro” de Lima Barreto, que no ano de 1953 conquistou o mundo com os prêmios de melhor filme de aventura (categoria extinta) e melhor trilha sonora.

A importância do festival realizado na França é proporcionar a visibilidade diversa da produção cinematográfica mundial, com filmes europeus, americanos, africanos, brasileiros, asiáticos e de regiões esquecidas pelos holofotes e glamour da hegemonia do cinema americano no mundo.

Em 1962, a Palma de Ouro (prêmio máximo) consagrou “O pagador de promessas”, de Anselmo Duarte, com base na peça homônima de Dias Gomes. O filme competiu com produções de peso como “O julgamento de Joana D’arc”, do francês Robert Bresson; “Longa jornada noite adentro”, do americano Sidney Lumet; e “O anjo exterminador”, do espanhol Luis Buñuel.

Dois anos depois foi a vez de Nelson Pereira dos Santos vencer o prêmio de melhor filme pela Organização Católica Internacional do Cinema (OCIC) e dos Cinemas de Arte pelo longa “Vidas secas”, adaptação da obra de Graciliano Ramos para o formato estético do Cinema Novo. Em 1984, o cineasta foi laureado por “Memórias do cárcere”, também adaptado da obra de Graciliano Ramos com o prêmio da Federação Internacional de Críticos de Cinema.

A inventividade de Glauber Rocha foi reconhecida em 1967 com a premiação da crítica internacional no festival pela metralhadora giratória em “Terra em transe”, melhor direção em 1969 por “O dragão da maldade contra o santo guerreiro” e a premiação do júri no curta “Di” no ano de 1977.

Nos anos 80, a categoria curta-metragem é premiada com “Meow”, animação de Marcos Magalhães, um dos fundadores do festival Anima Mundi; e a performance de Fernanda Torres arrebata a categoria de melhor atriz em “Eu sei que vou te amar”, de Arnaldo Jabor.

Em 2004, o desempenho de Rodrigo Santoro conquista a categoria melhor revelação no papel de um travesti em “Carandiru”, de Hector Babenco; e o júri ecumênico de Cannes dá visibilidade para “Diários de motocicleta”, filme de Walter Salles sobre os anos verdes de Che Guevara.

2005 é o ano de “Cinema, aspirinas e urubus”, filme de estrada realizado por Karim Ainouz premiado pelo Sistema Educacional Francês. Há também a premiação da juventude para “Cidade baixa”, de Sergio Machado, com Wagner Moura, Alice Braga e Lázaro Ramos numa trama de atração física e abalo nos alicerces de amizade.

Em 2008, mais uma atriz brasileira tem seu talento reconhecido: Sandra Corveloni no papel de pai e mãe de jovens de periferia e as armadilhas das grandes cidades em “Linha de passe”, de Walter Salles e Daniela Thomas.

Reinventado as regras do formato documentário, o inquieto Erik Rocha (filho de Glauber) dá uma aula de montagem e som em “Cinema Novo”, vencedor do Olho de Ouro, premiação paralela que reconhece o talento de novos cineastas.

Em 2019, com pouca divulgação e visibilidade mínima, levamos o prêmio especial do júri para “Chuva é cantoria na aldeia dos mortos”, de João Salavia e Renée Nader Messora. No mesmo ano, a mostra Un Certain Regard escolhe “A vida invisível”, de Karin Ainouz. E o prêmio do júri vai para “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, um dos melhores filmes brasileiros dos últimos anos.

Sim, temos uma das produções cinematográficas mais importantes do panorama cinematográfico mundial, que já passou por várias crises, altos e baixos e sempre renasce das cinzas, como o que ocorreu no início dos anos 90 com o desgoverno Collor, o fechamento da Embrafilme e o posterior cinema da retomada. O presente repete o passado em ataques institucionais, cortes de verbas, afastamento e demissão de profissionais qualificados, retirada de cartazes icônicos e a possibilidade medieval de queimar na fogueira décadas de produção cultural (no caso das cinematecas) em pleno ambiente pandêmico.

Acenos de apoio de observadores internacionais podem ser notados com a inclusão de profissionais do audiovisual brasileiro que renovam o corpo de votantes para a edição do Oscar 2022.

Cinema Paraense

O cinema paraense já demarcou seu espaço em Cannes. Em 2001, o curta “As mulheres choradeiras” (de Jorane Castro) foi exibido como parte da Quinzena dos Realizadores. O filme tem como base o conto homônimo do escritor paraense Fábio Castro e conta com a performance das atrizes Nilza Maria, Tacimar Cantuária e Mendara Mariani.

Em 2012 foi a vez de “Juliana contra o jambeiro do diabo pelo coração de João Batista”, filme de Roger Elarrat selecionado para a mostra paralela Short Film Corner, espaço de encontros, intercâmbios e promoção dos novos filmes. Na mesma mostra, o curta “Epílogo”, da cineasta paraense Simone Bastos, teve estreia mundial em maio de 2014. O curta é uma homenagem ao cinema francês dos anos 1950 e 1960, período de transgressão aos padrões do cinema comercial com os filmes do movimento Nouvelle Vague.

Em 2017, a produção paraense é premiada com “Samba de cacete – alvorada quilombola”, eleito melhor documentário de Curta Metragem durante o Festival Internacional Du Film Pan Africain, que faz parte de Cannes. Realizado por André dos Santos e Artur Arias Dutra, o filme mostra o samba de cacete, ritmo tradicional quilombola na comunidade Igarapé Preto, no Alto Tocantins.

Que os bons ventos possam trazer saúde e cultura para os trópicos, para que no segundo semestre de 2021 o setor audiovisual reaja ao assalto de bens culturais que reduziu de forma drástica os fundos públicos para o cinema no Brasil.

*O artigo acima é de total responsabilidade do autor.

José Augusto Pachêco
José Augusto Pachêco é jornalista, crítico de cinema com especialização em Imagem & Sociedade – Estudos sobre Cinema e mestre em Estudos Literários – Cinema e Literatura. Júri do Toró - 1º Festival Audiovisual Universitário de Belém, curadoria do Amazônia Doc e ministrante de palestras e cursos no Sesc Boulevard e Casa das Artes.

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