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Compartilho a vida com um compositor. Tenho o privilégio de acompanhar de perto processos de criação geniais, digamos que além das urgências da paixão dos primeiros dias juntos,  a profunda intimidade com a arte sempre foi a nossa goma arábica. 

Dia desses uma amiga perguntou brincando como é ser “mulher de um maestro”, se eu tinha consciência de que ele entraria para a história e da responsabilidade da minha participação nisso.  Sem pensar muito respondi “É solitário!” O que me pareceu a resposta mais incompleta, portanto venho aqui corrigir.

Os mais íntimos sabem que Mateus conta com minha opinião a cada compasso criado. A Humildade dele  sempre acompanhada por um fascínio de descoberta, me honra e comove! Mas reforço que é absolutamente solitário e como coadjuvante, minha tarefa é promover a solitude porque inspiração e técnica nos processos artísticos exigem isso. É movimentado também. Complexo e simples. São noites de sono interrompidas por alguma ideia ou célula musical nova que o cérebro produz. É o sexo inusitado pra comemorar um pagamento atrasado. É o amor que pode esperar e superar a frustração. Tudo misturado, difícil e fácil. Tudo é mistério e beleza, como a vida.

Mateus hoje compõe uma peça encomendada que estreia em setembro no Rio de Janeiro. Entre as xícaras de chá que ofereço durante o dia, sua figura sentada em frente ao piano insistindo num acorde me transportam aos tempos de Mozart, Beethoven, Bach, Villa Lobos! Passamos inclusive as mesmas dificuldades financeiras (nas devidas proporções Claro!) Ele mesmo para recuperar o fôlego lê uma ou outra Biografia dos gênios do passado. Sempre que está diante de um desafio ele recorre a elas. Uma vez perguntei o motivo « me sinto menos só… » -ele respondeu. »…eu poderia ter sido a coadjuvante de algum deles?” – perguntei rindo « -Eu poderia. Sou casada com um gênio e sua solidão artística » respondi serena ao óbvio. Ele calou talvez duvidando de si. 

Percebo que ele busca a imortalidade para que as próximas gerações tenham a oportunidade de nos ver através da música. Afinal a vaidade dos Gênios precisa ser generosa, sempre.

Destemido mas com profundo respeito aos críticos, ele sempre diz que se deve escrever para agradar inclusive seus adversários. Uma lição preciosa que aprendi! 

Conviver com alguém que solfeja até as notas produzidos por buzinas e ranger de portas (rs!) me tornou uma artista exigente. Eu sinto tanto, e como! 

Feliz  por sentir tudo isso. Eu sinto o que já não consigo escrever, só a certeza de que minha humanidade cresce quando ele digita o último compasso. 

Enquanto finalizo esse texto, o despertador do mundo real nos avisa que agora ele terá que ser pai e levar nossa filha pra aula de Teatro. E ele vai, afastando dos olhos restos de sonhos ( ou seriam notas? rs!) com o notebook a tira colo pra escrever mais alguns compassos na sala de espera…

Nesses 14 anos juntos nosso pacto de apoio ao amadurecimento artístico mútuo só se fortalece.

E assim vamos vencendo mais um dia, estou satisfeita por ter alguma resposta para tantas perguntas que ainda não tive oportunidade de responder a mim mesma como é ser a mulher do maestro:

 Mateus Araújo é Maestro, pianista, violinista, compositor e pai. Eu sou atriz, cantora, mãe e o que mais as minhas reticências quiserem…

Juntos compartilhamos a solitude da criação. Estaremos juntos e preparados para entrar pra História. 

Boa semana!

Lutem!

Landa de Mendonça
Atriz, cantora e produtora. Nascida em Belém do Pará, em 2009 mudou para o Rio de Janeiro, onde frequentou cursos de interpretação e de canto no Conservatório Brasileiro de Música, participou de musicais, peças e filmes. Em Brasília, compôs o coro cênico da ópera “Olga” de Jorge Antunes, no encerramento do Festival de Ópera da cidade em 2013, sob a direção de William Pereira. Foi residente da Cité Internationale des Arts de Paris, juntamente com sua família de artistas de 2018 a 2019 apresentando como resultado o projeto “Chico Buarque de Chambre”, que estreou em 9 de dezembro de 2019 onde cantou arranjos de seu marido e parceiro artístico, o maestro Mateus Araújo, passeando pelo universo musical e cênico de Buarque. De volta ao Brasil, em 2020 fez parte do elenco do curta metragem  « Totem » de Kadu Zargalio. E-mail landatrizprofessional@gmail.com

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