Publicado em: 1 de agosto de 2025
A COP se tornou o encontro da ONU com maior participação da sociedade civil, diversa e multifacetada — característica que, inclusive, representa ao mesmo tempo sua maior fortaleza e sua maior fraqueza. No entanto, gosto de explicar, para quem não conhece, que ela pode ser dividida, grosso modo, em dois grandes grupos: os que querem salvar o planeta e os que querem fazer negócios. A interseção entre estes dois grupos é o que aparece no holofote.
Quando o presidente Lula apresentou a candidatura de Belém e colocou todo seu prestígio político para sediar o evento, os dois grandes grupos que participam das COP viram com bons olhos. O problema é que, de novembro de 2022 para cá, a própria COP foi vista predominantemente como um negócio por agentes políticos e empresariais devido ao grande investimento na preparação da cidade e à intensa movimentação de pessoas esperada para o evento. Com isso, chegamos na atual fase, em que a COP está seriamente ameaçada e a operação “Salva a COP” está em curso, tentando lembrar que a conferência é maior que o local onde ocorre e que, se um dos dois tiver de ser sacrificado, será o segundo.
E chegamos neste nível crítico pelo pouco caso com que a participação social foi tratada pelo Governo Federal, Governo do Estado e as prefeituras das cidades envolvidas, em duas apostas arriscadas que deram tão certo que podem acabar com o evento.
A primeira aposta é que as obras e a movimentação econômica gerada pela COP elevariam a popularidade dos Governos envolvidos e que isso criaria um clima local favorável ao evento. E, sem dúvida, as obras da COP estão mudando a cidade e contribuíram fortemente para o baixíssimo nível de desemprego que a região metropolitana tem vivenciado. No entanto, o sonho irrealizável que a COP seria a solução de todos os problemas da cidade agora cobra o seu preço em um momento que a gentrificação, o racismo ambiental, o ecocídio e o aumento dos investimentos nos bairros de classe média alta fazem a população de uma das capitais mais favelizadas e pobres do Brasil se perguntar: qual é o nosso papel neste processo e o que de fato ficará para nós?
A segunda aposta é que o mercado funcionaria como mecanismo de higienismo social para diminuir a pressão sobre a cidade e permitir que a COP pudesse acontecer com um grupo de selecionados que poderiam pagar por suas hospedagens, como negociadores dos países membros da ONU e lobistas de grandes empresas, sem o inconveniente de grandes engarrafamentos e protestos em todas as esquinas. Esse é o centro do pensamento que colocou na pauta de maneira absolutamente figurativa a preocupação com um estoque público de leitos que pudessem atender a sociedade civil. O problema é que a demanda de participação social na COP da Amazônia é gigantesca e de várias escalas. Neste movimento todo, uma quantidade grande de pessoas não terá acesso aos leitos pela via do mercado, mas a procura já é um elemento suficientemente forte para inflacionar os preços chegando ao ponto de que eles tornaram-se proibitivos inclusive a muitos setores que tradicionalmente acessam leitos via mercados, o que tem levantado questões sobre a legitimidade de uma cúpula sem uma representação adequada de nações e com delegações incompletas.
Estamos no momento em que as duas apostas deram tão certo, a das obras como principal legado e do mercado como higienizador da COP, que elas mesmas colocaram o evento em risco, em um movimento de crescimento autofágico. No momento atual, nem a ampliação ilimitada de investimento em leitos, o que por si só já é impossível, e nem a promessa de vida melhor com as obras que serão inauguradas poderão tirar o evento da encruzilhada, sem um compromisso forte dos governos envolvidos em ainda permitir a construção de um banco público de leitos em escolas, universidades e em grandes acampamentos para regular o mercado, bem como um cronograma concreto de entregas que melhore a relação da cidade com a natureza, combata as desigualdades socioespaciais e se paute no direito à cidade da maioria que a constrói cotidianamente.
Por isso que a COP está em risco, o que chamamos no título deste texto como seu “ponto de não retorno”, em uma analogia com um conceito muito caro para o debate socioambiental. No entanto, a experiência poderá ser traumática para uma cidade que está acostumada a receber muito bem a todas as pessoas que chegam, a ponto de gerar grande frustração com o evento ou de levar, de última hora, Belém a deixar de ser o local das atividades para tornar-se apenas uma figura ilustrativa no título, tendo as principais atividades acontecendo nas metrópoles nacionais que tradicionalmente sediam eventos deste tamanho.
O momento que estamos vivendo já é uma mancha internacional muito significativa ao povo do Pará, mas parece que os envolvidos não buscam outras soluções e, por ora, esse é o nosso dilema.
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