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A Ong Terra de Direitos divulgou hoje (17) nota técnica apontando uma série de violações no processo de construção do mercado de carbono no Pará: falta de consulta adequada a povos e comunidades tradicionais afetados, processo conduzido sem informações claras, acessíveis e transparentes; consulta limitada a parcela mínima da população, desconsiderando quilombolas, indígenas e outras comunidades em diversos territórios; risco real à autonomia e à governança dos territórios tradicionais.

O Governo do Pará acelera a implementação do Sistema Jurisdicional de REDD+ — mecanismo que prevê a Redução de Emissões provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal. Contudo, o projeto avança desrespeitando princípios fundamentais do direito assegurado na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – da qual o Brasil é signatário.

“A consulta não se reduz a ouvir um número limitado de lideranças ou entidade representativa, e também não se faz por audiência pública ou consulta pública. Ela tem seu próprio rito e deve ser feita mediante procedimentos apropriados, de modo que os povos interessados possam participar livremente, conforme disposição da Convenção n.º 169”, pontua a Nota Técnica.

“A gente sabe só que o REDD+ é um projeto do governo do Estado para vender crédito de carbono para fora, mas não sabemos mais muita coisa sobre isso: como é que isso aconteceu? O que que a gente vai ganhar com isso? Até o momento ninguém do estado veio aqui no território.  Nós tivemos algumas reuniões online e não deu para entender muita coisa. É só o governo impondo o que ele já tem feito”, declarou uma liderança quilombola do Pará que preferiu não ser identificada.

“A consulta prévia, livre e informada, não deve ser realizada de qualquer forma, ainda mais quando se trata de um mecanismo de compensação financeira, como o REED+, que tem potencial risco de impactar diretamente a governança e a autonomia dos territórios. Para povos e comunidades tradicionais a floresta tem valores ligados a ancestralidade, pertencimento, ao modo de ser viver e estar, mas para o governo é apenas uma transação econômica”, destaca Selma, assessora jurídica da Terra de Direitos.

O caso do REDD+ no Pará se soma às críticas internacionais sobre o uso de créditos de carbono como “falsas soluções” para a crise climática. Organizações, especialistas e movimentos sociais afirmam que esses mecanismos, quando não respeitam os direitos dos povos, não combatem as causas estruturais da destruição ambiental, além de gerar novas formas de exploração sobre os territórios.

Informações públicas disponíveis no site sobre o projeto da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará mostram que o Sistema Jurisdicional de REDD+ está em construção desde 2022, com a realização de oficinas, seminários e reuniões que definiram etapas cruciais para sua implementação. Mas a participação de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais é baixa e não representa a diversidade e o tamanho dessas populações.

O Plano de Consulta apresentado pelo Governo em maio prevê apenas 47 consultas presenciais – distribuídas entre os segmentos –, com público estimado de 150 pessoas por consulta.

De acordo com o IBGE (2022), o Pará tem 135.033 quilombolas, distribuídos em 125 territórios (Iterpa) até 2022. A população indígena soma mais 80 mil pessoas, pertencentes a 55 povos distintos (IBGE 2022).  O estado ainda tem grande contingente de pescadores artesanais, ribeirinhos, extrativistas, beiradeiros e agricultores familiares, entre outros. 

“O governo já vende sem a gente saber, quando a gente sabe nós já fomos vendidos juntos”, pontua a liderança indígena e ativista ambiental Alessandra Korap. “Todo contrato que a gente assina, precisa ler. Não sabemos nem o que está escrito nesse contrato. Como é que vão debater esse contrato nas comunidades? Tem comunidade que para chegar lá demora cinco dias, só de avião ou de barco. Tem comunidade sem internet. Tem comunidade com pessoas pescando, caçando, que nem sabe o que estamos decidindo aqui fora por eles. Há território com povos isolados. Quem é que vai consultá-los? Eles também têm poder de decisão”, questiona.

“Olha, aqui no estado do Pará, a gente tem muitos problemas. Tem o problema da seca, da fome, do saneamento básico, da demarcação das terras indígenas, da educação, da saúde. E parece que o único olhar que a gente vê, que a única solução para os nossos problemas é a venda de crédito de carbono. A gente sempre foi livre e, de repente, vai deixar de ser para depender de governo e de empresas”, salienta Alessandra Korap.

Diante das denúncias, o Ministério Público Federal ajuizou ação pedindo a suspensão do contrato. No início de junho, a Justiça Federal negou a liminar, e ainda não houve o julgamento do mérito. 

Leia a nota técnica na íntegra aqui.

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