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Uma das coisas mais difíceis é ajudar alguém que se ama a sair de uma relação de violência psicológica. Isso porque há enredos que demoram um tempo para serem identificados. Em uma cultura onde nós, mulheres, crescemos vendo nossas mães vivendo, e a sociedade naturalizando, violências, acabamos nos conformando e habituando com estas práticas, associando erroneamente a amor.

Vou dar um exemplo para vocês. Anos atrás, namorava um rapaz e um carro trancou o seu, que estava estacionado. Com raiva intensa, ele prontamente pegou uma chave e cravou um risco de porta a porta no veículo alheio. Eu fiquei amedrontada, assustada e sem reação, principalmente pelo medo de iniciar uma briga. Mas ver explosões de raiva masculinas era um terreno familiar, fato que não me fez questionar – em nenhum momento – nosso relacionamento e as condutas éticas do, até então, meu parceiro.

Anos depois, ouvi uma pessoa me narrar a mesma cena, dessa vez consigo. Sim, o padrão de masculinidade faz com que algumas práticas de homens se repitam. A diferença é que a pessoa na mesma hora refletiu se aquele homem era alguém para manter a relação. Ela argumentou sobre a falta de limites, ética e até mesmo a forma de lidar com a raiva. E foi aí que me veio a surpresa: aquela mulher estava me mostrando que violência não deve ser tolerada e como ela colocava limites para preservar a si.

Foi um aprendizado e tanto observar que podia ser diferente, por meio de um repertório novo. E até me surpreender por dar conta que não era normal ou uma “atitude de homens”. Logo me indaguei: por que eu me mantive no mesmo lugar? O que “aceitar” dizia da minha história?

Me dei conta que violência era familiar. Não enfrentar também. O fato de ter silenciado me fez permanecer numa relação que perdurou com o custo de não ser saudável.

Tempos depois, uma amiga namorou um rapaz que toda vez que íamos nos encontrar, pra bater papo que fosse, ele dava um “tratamento de silêncio”. Criava vários estímulos aversivos pra ela. Nunca dizia que era porque ela conversou com uma amiga, a estratégia era outra. Mesmo sem sacar cientificamente o que fazia, ele fazia um pareamento quase que matemático: associar conversar com amigas a algo ruim. Obviamente que não sendo dito, isso era bastante difícil de ser percebido por ela.

Não era incomum eu ouvir dessa amiga questionamentos sobre que fez, começar a se culpar sem motivos, duvidar de si e passar dias de tristeza e culpa tentando estabelecer a normalidade da relação.
É óbvio que a estratégia era boa. Mesmo que não consciente, ela iria pensar duas vezes antes de repetir e provavelmente seu comportamento seria extinto. Ela estaria, aos poucos, afastadas das amigas.

Muitos homens usam inúmeras estratégias para manter uma mulher na relação abusiva, que tende se manifestar pelo controle, então aí vai um alerta:

  1. se na sua relação você sente uma sensação constante de que está errada ou que é incapaz de administrar sua própria vida
  2. Se você vem se afastando de sua rede de amigas próximas e/ou de familiares
  3. Se o companheiro desqualifica suas relações próximas, como não confiáveis, falsas ou menospreza os vínculos,
  4. Se sempre que você faz algo só, o retorno são com gestos que envolvem controle ou ameaças
  5. Se a pessoa tenta te convencer que ela é essencial na sua vida e que sem ela você ficará sem direção
  6. Se fiscaliza seus passos, mensagens e invade sua intimidade
  7. Se você sente o tempo todo que está em dívida com seu parceiro e sente culpa por ser má
  8. Se você não pode publicar fotos que gosta ou andar com quem quiser
  9. Se o parceiro te enche de presentes no intuito de não abrir espaço para você dizer não
  10. ⁠se você se sente sempre em alerta…

Fique atenta. Esses são apenas alguns indícios de um relacionamento abusivo, com a presença do crime de violência psicológica.

Embora muitas de nós saibamos o que são as práticas de violência contra as mulheres e que é um fenômeno estrutural, vivenciá-las é um enfrentamento de trabalho psíquico exigente, por vezes com tensionamentos éticos e que tem necessidade de apoios, inclusive de uma rede estatal. Além de também ser importante reconhecer que saber sobre o fenômeno, não nos torna mais “prontas” para esse enfrentamento.

Identificar é sempre o primeiro passo, embora doloroso. Não se esqueça, sempre que possível permaneça suas relações com mulheres, a amizade feminina é uma forma de amar que pode ser muito salutar; além de funcionar como uma arma política, necessária e indispensável.

Bárbara Sordi
Psicóloga, Psicanalista, Especialista em Psicologia Hospitalar da Saúde, Facilitadora de Círculos de Paz, Professora da Universidade da Amazônia, coordenadora do Projeto “Sobre-viver às violências” e do Grupo de estudos “Relações de gênero, Feminismos e Violências”, Mestre e Doutora em Psicologia pela Ufpa e coordenadora/assessora da Vereadora Lívia Duarte. Mãe da Luísa e Caetano, Feminista Terceiro Mundista.

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