Comprei ontem um livro que estava super ansiosa para ler, “Vou te contar” da atriz Naomi Watts, publicado neste ano. Não sou uma pessoa que tem condições de devorar um livro rapidamente, pelas demandas das crianças e do trabalho (que me exige leituras específicas), mas em poucas horas, avancei significativamente nas páginas e o motivo foi simples, além da escrita leve e fluida, eu estava ávida para saber mais do tema que venho pesquisando.
Há um tempo, estudando sobre sexualidade feminina me deparei com a temática da menopausa. Dentre meus achados, Drauzio Varela publicou uma crônica maravilhosa que passei a usar em minhas turmas (“E se os homens menstruassem?”, disponível na Folha de São Paulo), na qual escrachava o descrédito da ciência (feita por e para homens) diante das demandas do corpo feminino: falta de pesquisas, de investimentos financeiros e da nada neutra formação médica, que conjuntamente negligenciam a saúde das mulheres.
Na época do doutoramento, fiquei alguns meses lendo artigos sobre feminismo e ciência, e os dados e reflexões eram impactantes. Além dos obstáculos instaurados pelo patriarcado (menores salários, mais dificuldades para ocupar cargos de reconhecimento e destaque, como chefias), as pesquisas mostravam como os itens que elenquei acima (falta de pesquisas e investimentos, por exemplo) estavam atrelados a manutenção das assimetrias de gênero, reforçando ditames sociais, como por exemplo, a ideia de “relógio biológico” para mulheres ou as pesquisas que focavam apenas nos riscos de gravidez a partir dos quarenta, ignorando os riscos que hoje se sabem que também pertencem aos homens com o passar dos anos. Por que atrelados ao sistema cisheteropatriarcal (e racializado)? Justamente porque as discursividades científicas reiteravam a maternidade como instinto e até mesmo a ideia de prazo de validade feminina, colaborando para que homens se aparassem em justificativas para objetificação de meninas novas e continuidade da vida sexual ativa.
Outro exemplo, são os preservativos. Os preservativos externos (popularmente conhecidos como masculinos*) recebem grandes investimentos: textura, cheiro, tamanho, material. Já os internos (os ditos femininos**) parecem continuar os mesmos, além do valor maior e da dificuldade de encontrar nas farmácias e postos de saúde.
O fato é que a sexualidade feminina só parece ser interessante quando está a serviço do prazer de homens e a saúde sexual feminina quando está relacionada a maternidade. Então, se não temos uma educação sexual para o autoconhecimento, para autonomia e prazer na adolescência e vida adulta, teremos ainda menos quando supostamente deixarmos de sermos (re)produtivas e descartáveis para homens, que precisam de troféus novos e de destaque nos padrões de beleza para se validarem entre si.
A crueldade e violência do mito de que mulheres perdem sua beleza, seu desejo, sua utilidade fazem com que esta fase do desenvolvimento e de tantas transformações para as mulheres se torne ainda mais impactante. Nesta teia interligada, onde homens consomem mulheres mais jovens, abandonando suas companheiras de mesma idade ou desvalidando mulheres acima dos vinte, que nos leva a competição e rivalidade feminina, vemos um cenário em que o envelhecer é afetado diretamente pelo falocentrismo, inclusive matando homens que se entopem de viagra, mesmo com restrições médicas, não aceitando também o corpo a velhice.
Mas se para os homens há investimentos em exames menos invasivos, remédios popularizados e de fácil acesso para sua vida sexual, para as mulheres as diversas especialidades médicas desconhecem os inúmeros efeitos da perimenopausa, da menopausa e da pós-menopausa. E essa falta de interesse, de compromisso e de responsabilidade é um pacto cruel do patriarcado.
Ignoram os sintomas incômodos, prescrevem medicamentos errados, não se importam com a vida sexual feminina, mandando que as mulheres aceitem e vivam os efeitos, sem qualquer ajuda.
Um dos pontos de reflexão do livro que citei afirma que nós, mulheres, foi referente a normalização do sofrimento feminino, do quanto o sistema faz isso conosco: descaso com exames, informações, descaso com nosso direito de escolha, de autonomia, de prazer, com parto, com amamentação e por aí vai (aumentem as proporções de violência para mulheres negras e as pessoas não cis). Na menopausa, novamente sofremos sozinha. Não falamos entre nós, não sabemos o que fazer, não temos tratamento adequado, tampouco informações e sentimos tristeza, vergonha, medo, porque a cultura nos faz achar que estamos perdendo algo, nosso valor. Afinal, o valor feminino é associado ao corpo objetificado, tonificado, jovem, magro.
Acho importante dizer que a perimenopausa pode começar seus sintomas até dez anos antes da menopausa. Mas o que é a menopausa? é quando a mulher está há 12 meses consecutivos sem menstruar, ou seja, um ano. Geralmente, ocorre entre 45 e 53 anos, mas também pode variar de mulher para mulher. Também é importante dizer que mesmo após a interrupção, há um tempo para haver estabilização.
Como nós não somos iguais, cada vivência será única. Logo, algumas mulheres não sentem grandes alterações, mas a maioria sim. E se a maioria sente alterações extremamente desconfortáveis e angustiantes por que não é uma pauta para a medicina e para a sociedade?
Bem, no intuito de informar, trago alguns dados breves. Neste período da perimenopausa há várias sintomatologias que profissionais de medicina sequer sabem reconhecer: alteração intestinal, insônia, mudanças de humor, mudanças na libido, ressecamento vaginal e dor durante o ato sexual, dores físicas como dores nas articulações e afins. É preciso entender esses sintomas, pois alguns tratamentos só são serão adequados se esses indicadores forem levados em consideração. Por exemplo, sintomas depressivos decorrentes de alteração hormonal não são tratados com antidepressivos, mas com regulação dos hormônios.
Dito isso, é importante saber que existem vários tratamentos que podem trazer mais bem-estar e saúde para as mulheres, como pomada de estrogênio, reposição hormonal, algumas mudanças de hábitos de vida, dentre outros. A boa notícia é que muitas mulheres, com os acompanhamentos adequados, conseguem ter uma vida cheia de energia e tesão, inclusive para investir em vários campos outros, como a vida social e profissional. Para muitas, essa fase pode ser considerada como momento de maturidade sexual – sem as neuras de poder engravidar, sabendo-se como gosta das coisas e o que se quer, assim como sem as flutuações do ciclo menstrual.
Há um tempinho, minha amiga Telma (novamente ela) me acendeu o alerta para pesquisar e saber mais sobre menopausa. Além dos nossos bate-papo, especialmente quando pudemos estar juntas pessoalmente – a gata mora no paraíso de Itacaré (Bahia) – ela também me indicou o podcast da Fernanda Lima, primeira temporada do Zen Vergonha – cito as referências aqui para que vocês saibam procurar, caso se interessem.
Sobre mim, desde então, tudo que vejo, tenho lido, além de ter pensado em projetos de trabalhos com mulheres. Confesso que a questão da fertilidade é o que mais me toca, mas para isso muita leitura e divã. De qualquer forma, o principal que aprendi é que informação é muito importante para autonomia e para proteção, embora não sejam condição para nos blindar das negligencias e violências. Ainda assim, saber o que está acontecendo consigo, saber quais caminhos e recursos podem ser usados para amenizar ou tratar sintomas, parece ser uma boa saída para viver bem consigo, para ter discernimento, inclusive para achar um profissional de saúde que contemple nosso autocuidado. Não sei quando entrarei na menopausa, se amanhã ou daqui a dez, quinze anos, mas sei que posso ir criando condições para me amparar, dentro do possível, de uma crise emocional. Convido vocês, amigas, a fazer o mesmo. É preciso incluir a menopausa na educação sexual, inclusive nos nossos diálogos com nossas filhas e incluir os homens. Homens também envelhecem e devem conhecer o corpo de suas parceiras para saber como dar prazer e ter trocas de afeto. Naturalizemos o que é natural e não as amarras patriarcais.
(obs:** Por conta da pluralidade de identidades sexuais – como mulheres com pênis e homens com vagina – tem-se utilizado a nomenclatura preservativos externos e preservativos internos).
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