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Mas será o Benedito? Certamente vocês já ouviram essa expressão, usada para expressar uma surpresa catatônica (quiçá indignada) diante de uma hipótese improbabilística ou de um fato interveniente inesperado. Sabem a origem dela? Pois vou contar.

Na crônica da semana passada mencionei o imbróglio entre o político intelectual Gustavo Capanema e o político, digamos que não-intelectual, Benedito Valadares. Com efeito, Valadares tinha fama de bronco, e sua chegada à presidência de Minas Gerais (antigamente os governadores eram chamados de presidentes dos estados) foi uma surpresa para todos. Não exatamente porque ele tinha essa fama de parvo (embora também por isso), mas porque os outros candidatos ao posto, Capanema e Virgílio de Melo Franco, eram homens de cultura e nomes muitos fortes nessa disputa. E o próprio Benedito nem era candidato.

Como contei, a surpresa foi geral quando Getúlio Vargas escolheu Valadares, em 1933, como interventor federal – com honras de presidente. E vem daí a origem da expressão (embora haja outras versões…).

O presidente Olegário Maciel havia morrido, na sua banheira, como já contei, e Vargas iria escolher alguém para sucedê-lo. Todos os pretendentes foram para o Rio de Janeiro, a capital federal, cercados por seus lobistas. Todos tentando influenciar na escolha de Getúlio.

O dentista e deputado de pouquíssima expressão Benedito Valadares foi também. Mas foi por que todo mundo foi. Da parte dele, foi só para passear. Era boêmio, não gostava muito de formalidades e de compromissos. Foi ver o Cristo Redentor… Foi passear nas boates e, dizem, pelo Cais Mauá. E isso enquanto os candidatos graúdos disputavam a grande indicação.

E então, em certo dia nublado que deixava confusas as ondas eletromagnéticas do hemisfério sul, veio, do Palácio do Catete veio, com transmissão direta pela Rádio Nacional, a notícia do nome do novo interventor de Minas Gerais.

Nem precisa dizer que, em Minas Gerais inteira, a expectativa era grande. O problema é que, com o mau tempo e com as dificuldades técnicas da época (o rádio, no Brasil, mal tinha nem uma década de atividade), mal se escutava o que era dito – e Minas Gerias todinha estava tentando sintonizar a Rádio Nacional:

– Vamos agora ao pronunciamento do presidente Getúlio Vargas indicando o novo presidente de Minas…  sshhh – chiava o rádio – Vai falar o senhor Vargas… sshhh… E agora vai ele anunciar o nome do escolhido para presidente… sshhh…  O interventor sshhh… Gerais sshhh… será… sshhh… sshhh… Valadares.

Em Minas, todinha, foi um espanto. Um espanto e uma dúvida. Espanto porque não se ouviu nem o nome de Gustavo Capanema e nem o de Virgílio de Melo Franco. Mas, sim, o de …sshhh… …sshhh… Valadares.

Não se esperava por isso. Nem se sabia quem era esse tal de …sshhh… Valadares. E, em meio ao pasmo geral, se pôs, a gente mineira, por todos os cantos do estado, a indagar sobre a mesma coisa:

– Valadares? …sshhh… Valadares?… Mas será o Benedito?

E assim surgiu a expressão, a partir de então utilizada para referir coisa que ninguém esperava acontecer – cabendo observar, no entanto, que, no caso em tela… era o Benedito!

Bom, essa história de gente tola na política me faz lembrar de um outro caso, ocorrido em Florença, no tempo dos Médici.

Cosimo I de Médici, grão-duque de Florença, estava incomodado com um diplomata que a República de Veneza havia enviado para a sua corte. Tratava-se de um rapaz de pouco trato e pouca leitura – um tolo, como dizia. O grão-duque achou que Veneza estava desprestigiando a sua corte ao enviar esse sujeito. E reclamou com o embaixador dessa nação, chefe do rapaz, que lhe disse:

– Temos muitos tolos em Veneza.

Ao que o grão-duque rebateu:

– Nós também temos tolos em Florença, mas tomamos o cuidado de não exportá-los.

Como se vê, tolos há por toda parte.

E certamente os há no Pará, é claro, como se sabe muito bem na Confraria do Pato Macho, ou melhor, na ex-Confraria do Pato Macho, que, agora, zelosa do que se tornou justamente correto, fazendo autocrítica, decidiu passar a chamar-se de Confraria do Patx Max – uma organização clandestina da qual faço parte e que não se reúne senão pelos motivos de degustar whisky, café e Coca Zero (meu caso) e de partilhar impressões sobre a alheia vida, a política e os negócios locais.

Pois bem, a cada reunião se toma conhecimento de arroubas de tolices, braças quadradas de sandices, almudes de hipocrisia, alqueires de prepotência, jardas cúbicas de arrogância, toesas de ignorâncias, bem como de histórias pitorescas que garantiriam um quartame de milhão de crônicas nesta série.

Mas é claro que o que se ouve em fechadas rodas não se aventa em abertas crônicas.

E por isso, é melhor terminar esta por aqui.

…sshhh…

Fábio Fonseca de Castro
Fábio Fonseca de Castro é professor da Unversidade Federal do Pará e atua nas áreas da sociologia da cultura e do desenvolvimento local. Como Fábio Horácio-Castro é autor do romance O Réptil Melancólico (Editora Record, 2021), prêmio Sesc de Literatura.

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