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Na década de 80, século passado, havia um bar especial em Belém que reunia a turma jovem “cabeça” da cidade. Era o “3×4”, título dado ao tamanho da casa, minúscula, onde fica o que chamamos de “Praça Ferro de Engomar”, por conta de sua forma, propriedade de Peter Roland. Onde a Arcipreste Manoel Teodoro se encontra com duas outras ruas. Menos pela qualidade do bar e mais pelo ponto de encontro, à noite, havia turmas de teatro, cinema, música, literatura, todos acocorados, na beira da calçada, fazendo “vaquinhas” para pagar cerveja, alguém que aparecia com outras “coisinhas”, tudo baratinho. E tome conversa, Glauber, Drummond, Grotowski, Caetano. Aquela turma era ótima. Havia uma efervescência, vontade de saber mais, de criar, de mostrar alguma coisa. O resultado forma um grupo que até hoje é influente, produz e se não tem o sucesso merecido é porque essas coisas dependem de todo um entorno que às vezes não funciona. Pois é. Estive no mesmo lugar, semana passada. O antigo “3×4”. Trinta, quarenta anos depois. A encruzilhada está animadíssima. Jovens de todos os gêneros passeiam entre vários bares e pistas de dança. Ao lado do antigo bar, há mais dois. Convivem harmoniosamente. Quem destoa são vendedores ambulantes que estacionam e ficam atraindo os fregueses do bar com preços menores. De vez em quando há uma rusga. Digamos, uma “performance” beligerante, que devemos levar como parte do show. Meninos e meninas lotam as mesas, onde bebem e conversam alto. Outros desfilam entre as mesas, se “amostrando”. Meninas e meninas, meninos e meninos. Normal. Pedimos uma comidinha. Ih, tem mas acabou. Uma batatinha. Já vem. Quase uma hora depois, ih, ainda não chegou. Esquece. Sobre quê conversam? Saíram por instantes de suas bolhas na internet. Não fazem grupos. Não parecem interessados em produzir arte, embora seus trajes os configurem fashion alternativos. Talvez essa geração queira ficar na plateia, batendo palmas e não nos palcos, mostrando. Hoje tudo é no visual. Eles se vestem e ficam se olhando de banda. Mas há quem faça. Passam meninas descoladas vendendo incenso, bombons e passa Alexandre Washington. Ele estudava Turismo mas parou para batalhar a vida. Fez ou vai fazer prova para receber crachá de guia turístico. No momento mora com a mãe em Mosqueiro. Já correu mundo. Oferece panfletos com informações turísticas sobre a cidade. Este é “Roteiro Cultural da praça da República: História, Símbolos e Monumentos”. Simpático. Pague quanto quiser. Paguei. Como morador de uma vida inteira em frente ao logradouro, fiz perguntas testando sua competência. Dez! Falamos de outros lugares. Na ponta da língua. Também é poeta, “Joker, Índio, o poeta de todas as ruas”. Conhece todos os poetas marginais como Chacal & Cia. Tem um instagram: alexandrewashington77. A mim encantou com sua inteligência. Diante daquela turma que não me ensejava desafios, deixou esperança. Seguiu pela noite oferecendo os panfletos que a maioria não pareceu interessada. Praça? Eu? Não estou interessado. Mais um exemplo do que Calvino chamou de “Cidades Invisíveis”. As pessoas vivem despreocupadas com quem passou antes, construiu, pisou nos lugares, como se o mundo tivesse nascido juntamente com elas. Ao lado, a casa em que faleceu o Maestro Carlos Gomes apodrece. Ninguém se importa. Quem? É um outro retrato mas achei interessante como observação dessa gente. Vocês sabem, um escritor se nutre da observação do mundo que o cerca.

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte. Foto: Ronaldo Rosa

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