A incorporação do território da então Província do Grão Pará e Rio Negro ao Império Brasileiro, fruto de um engodo, ensejou em poucos meses a tragédia do brigue Palhaço e, mais de dez anos depois, a sangrenta Cabanagem, mas esse encadeamento histórico – e as suas nuanças e particularidades – não é explicado às crianças e adolescentes nas escolas do Pará. A data sequer é conhecida pela maioria da nova geração. E os mais velhos ainda acreditam que houve adesão do Pará à independência do Brasil. É a prova cabal da necessidade de passar a limpo a História. Não à toa, o Estado é celeiro e corredor de transporte da produção de grãos e minérios do Brasil, maior produtor nacional de energia elétrica, tem a maior bacia hidrográfica e o bioma mais diversificado do planeta, mas continua sem saneamento básico, energia elétrica, cobertura de internet e telefonia precária, pagando taxas exorbitantes por esses serviços, que não alcançam boa parte da população. Pior: seu calendário e transporte escolar, vacinação, seus livros didáticos e sua matriz de transporte são distorcidos por serem ditados pela União, com base na realidade do Sul/Sudeste. A maioria absoluta do território paraense está sob o domínio da União, mas as transferências de recursos jamais espelharam essa realidade. O Pará permanece colônia, sem voz e sem peso nas decisões nacionais.
No hall de entrada principal da sede da Assembleia Legislativa do Pará, denominada Palácio da Cabanagem, há um painel que ocupa toda a parede de fundo. Trata-se de “A Adesão do Pará à Independência do Brasil”, pintado em 1971 pela alenquerense Anita Panzuti (com a colaboração de Betty Santos), que retrata o momento histórico: de um lado, o bispo Dom Romualdo Coelho assinando a proclamação da adesão do Pará à Independência do Brasil; ao centro, o imponente Palácio do Governo (Palácio Lauro Sodré, hoje Museu Histórico do Estado do Pará), e, no lado direito, o brigue Maranhão, com o qual o almirante inglês Lord Thomas Cochrane (a quem Dom Pedro passara o comando da Marinha do Brasil) encarregara seu compatriota capitão John Pascoe Greenfell de ameaçar bombardear Belém, afirmando que havia uma esquadra fundeada em Salinópolis, pronta para bloquear o acesso ao porto da capital, isolando a Província do Grão Pará do resto do Brasil, caso não se rendesse.
Naquele dia 15 de agosto de 1823, de triste memória, o mercenário inglês John Grenfell enganou os paraenses e, meses depois, para sufocar uma revolta popular, brutalmente prendeu e causou a morte, por sufocamento, de 252 dos 256 rebeldes jogados no porão do brigue Palhaço, isto depois de ter executado sumariamente cinco soldados. Até o cônego Batista Campos – jornalista, político, pioneiro da imprensa no Pará ao lado de Felipe Patroni e ideólogo da Cabanagem -, que tinha pedido a presença de Grenfell, foi por ele amarrado à boca de um canhão, e só escapou da morte pela interferência de terceiros e pelo receio de que seu assassinato reacendesse a revolta.
Quando deputado estadual, o grande jurista Zeno Veloso, autor do projeto de lei que instituiu o feriado alusivo à Data Magna do Pará, idealizou uma oportunidade para realizar solenidades cívicas e atividades educacionais que possibilitassem ao cidadão paraense conhecer e preservar a sua história. Pena que a inspiração da lei nunca tenha sido seguida.
Reproduzir a versão unilateral do vencedor em nada ajuda no resgate da memória parauara, nem no fortalecimento (ou mesmo germinação) do sentimento de pertencimento que, por nos faltar, leva à permanente entrega de nossas riquezas sem nada receber em troca. A Amazônia – o Pará em particular – continua medieval, em posição de vassalagem.
Belém poderia ser A Cidade Invicta, tal qual o Porto (durante as Guerras Liberais, de 1832 a 1834, a cidade portuguesa foi cercada pelas tropas absolutistas durante mais de um ano, e resistiu bravamente aos ataques de D. Miguel, assegurando a vitória dos liberais liderados por D. Pedro em todo o país). E o Pará em muito se inspirou na Revolução Constitucionalista do Porto, em 1822. Não por acaso o primeiro jornal de toda a Amazônia e Centro-Norte Brasileiro, O Paraense, defendia uma Constituição paraense.
Outro painel, instalado no plenário Newton Miranda, da Alepa, de autoria de Benedicto Mello, intitulado Cabanagem, retrata três momentos significativos da história do Pará: a Adesão do Pará à Independência, o Massacre do Brigue Palhaço (1823) e a Revolução Cabana (1835-1840). Na tela, se destaca a atuação do ativista e cônego Batista Campos: o líder cabano aparece amarrado à boca de um canhão pelo mercenário inglês John Grenffel, depois da descoberta da farsa que garantiu às elites portuguesas a manutenção do poder lusitano apesar da adesão, representada por um navio no horizonte.
O restauro desses dois painéis e de muitas outras obras históricas do acervo do Poder Legislativo, bem como a instalação da Escola do Legislativo e a biblioteca da Assembleia em prédio que terá essa exclusiva destinação, já determinada e em execução pelo deputado Chicão, presidente da Alepa, é a esperança de que a memória seja resgatada e valorizada.
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