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Deu vontade de escrever sobre os 80 anos de Chico Buarque de Holanda, esta quase rara unanimidade brasileira. Mas o que dizer se o mundo está escrevendo, dizendo, cantando Chico? É um dos ídolos da minha geração, junto a Caetano Veloso, por exemplo. Gostaria de ser amigo dele, jogar pelada no Polytheama. Deve ser um grande papo. Mas lá na minha pré adolescência, Caetano me impressionava mais, com seu som transgressor, misturando correntes e épocas, as letras cinematográficas, guitarras, enfim. Chico era o novo Noel Rosa, diziam. Chico era do passado. Mas dava para não gostar? Na minha casa, com os pais preenchendo nosso imaginário com músicas de Noel e todos os outros daquela época, não dava para não gostar. Sambas, modinhas, marchas, valsas com letras em um português rico e sonoro. Os dois primeiros discos, pela RGE, gravadora menor, tudo muito simples, ao invés de Caetano, já na Philips, cheio de cores. Eles duelavam semanalmente em um programa chamado “Este Noite Se Improvisa”, onde a partir de uma palavra dada, quem apertasse o botão primeiro, tinha de cantar uma música onde a tal palavra estava na letra. Os demais participantes ficavam só assistindo a dupla terçando armas. Havia a ditadura, Caetano exilado e Chico desafiando. Se auto exilou na Italia, depois de ter qualquer letra que escrevesse censurada e inventar o Jorge Maravilha, um pseudônimo com o qual fez todo mundo cantar, driblando os censores, com “você não gosta de mim, sua filha gosta. Teve “Apesar de Você”, muitas outras. Ganhava festivais, sempre daquele jeito tímido, de quem daria a vida para não estar lá. Teve “Sabiá”, uma das mais belas canções de exílio, em parceria com Tom Jobim. Deixava corpo de jurados desesperados. Ficava nervoso nos shows. Desligaram os microfones no “Phono 73” quando cantava com Gil a “Cálice”. Nunca deixou barato, embalando duros protestos a um som popular, maravilhoso, clássicos da mpb. Encantou cantoras ao compor músicas que preenchiam sentimentos bem femininos, o que mais naquela época de machismo total, era visto como impossível. Quando tudo passou veio com “Vai Passar”. Passou. Soube envelhecer. Não gosto de sua Literatura. Paciência. Há muitos que gostam. Agora espera ter um bom número de canções novas para gravar, sem pressa. Nos últimos tempos, apenas um samba, “Que tal um samba?” Para mim ainda é muito marcante ouvir um disco onde ao lado de Caetano, recém chegado do exílio, divide repertório. Era verão, na praia, todos ouviam a Rádio Mundial onde o baiano marcava à faca “diz que Deus diz que dá, não vou duvidar, nega”, trazendo o maravilhoso samba para o rock. E lá adiante, “eu como, eu como você, não está entendendo nada do que eu digo, todo dia ela faz tudo sempre igual”. Como seria bom ouvir o show em sua sequencia normal, pois na época, em função da duração ser maior que comportava o vinil, havia uma manipulação das gravadoras. Muito engraçado Caetano de calças bufantes, bustiê, tamancos holandeses vermelhos e Chico com sua permanente slack e calça de linho, o contraste e ao mesmo tempo o retrato talvez do que somos nós, brasileiros, entre a fantasia e a realidade, entre as cores e o p&b. “Caminhando na ponta dos pés, entre tapas e bofetões, o malandro anda assim de viés”, versos cinematográficos, vemos o malandro com seu andar malemolente, cheio de charme. A facilidade do cara para misturar o mais presente com o mais sonhado, mais a melodia irretocável, tudo dito assim, com aparente simplicidade, tipo ouve aí quem és. Caetano ainda é meu ídolo, mas acho que Chico ao longo da carreira pode ter sido mais consistente, ou talvez eu tenha amadurecido e apesar de gostar da fantasia, agora me aproximo mais da realidade. Palavras bobas sobre dois gênios. Sobre este que agora chega aos 80 anos.

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte. Foto: Ronaldo Rosa

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