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Ilka Steiner postou no Facebook a notícia do cinema Roxy fechando suas portas. Depois li em O Globo, inclusive que há pessoas pedindo à Prefeitura para preservar o local. O Roxy fica no Rio de Janeiro, na esquina da Nossa Senhora de Copacabana com Bolívar. No século passado, os paraenses lotavam a zona sul carioca nas férias de fim de ano, aproveitando o verão. Estive muitas vezes por lá, porque meus avós moravam na esquina da Barata Ribeiro com Bolívar. E frequentei muito o Roxy. Lembro do filme “Grand Prix”, passado em cinerama, uma tela côncava que dava a impressão de 3D à imagem. O Roxy Bar, de meu irmão Janjo é uma homenagem ao Cine Roxy. A pandemia apressou ainda mais o fechamento dos cinemas de rua, principalmente em Belém. Quando criança, Biá me levava nas tardes de sábado para assistir o seriado de Bill Elliott no Paramazon, ali na Piedade, cadeiras de madeira e ventiladores. A situação era a mesma no Cine Moderno, onde lembro de assistir “Deu a louca no mundo”, na época, um dos filmes mais engraçados que já assistira. Anos adiante, ao assistir novamente, não achei muita graça. O Iracema também tinha cadeiras de madeira e ventiladores, tal como o Independência. O Nazaré tinha um longo corredor antes de chegar à sala. Quando fecharam e comprei poltronas para o Teatro Cuíra, percebi que o terreno iniciava estreito e abria ao fundo, quase chegando na Dr. Malcher. Acho que compareci à inauguração do Cinema Palácio, no térreo do Palácio do Rádio. Lembro vagamente que o filme era “As Pupilas do Senhor Reitor”, mas não registrei nada. Era muito criança. Mas o Palácio virou minha casa. As matinais de domingo tinham sempre filmes de “Tom & Jerry”, fabulosos. Eu e o Edgar assistimos “Scaramouche” várias vezes. O Edgar viu “Os Reis do Iê Iê Iê” dos Beatles, no Nazaré. Mas as sessões de arte, ou sessão maldita, às dez da noite das sextas feiras eram sagradas. Lá conheci os grandes diretores. Buñuel, Fellini, Bergman e por aí vai. Em uma sexta feira de carnaval, chuvosa, fui assistir “MacBeth, de Roman Polanski, que me abalou muito. O horário, a chuva, tudo ajudou. Esse é um dos melhores filmes da minha vida. Os outros são “Apocalipse Now” e “O Poderoso Chefão, ambos de Francis Coppola, sendo que o primeiro, inicialmente, não gostei. Jovem, pensei que era um filme de guerra, desses, comuns, como os americanos fizeram quando o filão do bang bang esgotou. Hoje, tenho em casa e já assisti todas as versões. É política, vida, filosofia, tudo. Frases incríveis como “gosto de cheiro de napalm pela manhã. Tem cheiro de vitória”, diz o general comandando uma esquadrilha de helicópteros, na verdade, da Tailândia, contratados, que deixavam uma guerra verdadeira e vinham faturar algum na filmagem. E a frase de Marlon Brando, “vou te fazer uma oferta, que você não poderá recusar”, como Dom Corleone. Mas o mais importante, pela poesia, pela fantasia, sem dúvida é “Amarcord”, de Federico Fellini. Diziam que o pai do Bruno Urbinatti era de Rimini, a aldeia retratada. Choro torrentes a cada vez que assisto, principalmente a cena final, da Gradisca indo embora, o cego tocando e as crianças infernizando, e todos dando adeus. Havia na Fox um dvd que trazia também um documentário sobre as filmagens, Fellini passeando em Rimini, segredos fantásticos, como que o garoto do filme é uma soma dele, Fellini, com seu melhor amigo, na época, entrevistado. No Palácio, quando estava na Radio Cidade, fizemos a loucura da avant première de Bete Balanço, enchendo a casa com mais de mil pessoas. Estive no Palácio, já igreja universal, assistindo a um culto, na companhia de Rejane Barros, para uma reportagem. E o Olimpia, onde assisti “A Noite do Espantalho”, de Sergio Ricardo, com Alceu Valença em um festival promovido por Eduardo Silva? Olimpia onde assisti por sete vezes o filme “Woodstock”? E os Cinemas 1, 2 e 3, de Seu Alexandrino Moreira? Eu e meu irmão Janjo, através do Sábado Gente Jovem fizemos a avant première de “Saturday Night Fever”, lotado! Quando assisti “Apocalipse Now” no Cinema 4, que ficava onde hoje está o shopping Boulevard, havia umas dez pessoas na plateia. Percebi que o Brasil estava no fundo do poço. A falta de Educação e Cultura, desconectou as pessoas. Assistir grandes filmes, pensar, sair para debater e se enriquecer não era mais programa. Não é mais. Não é no Teatro, na Música, nas Artes Plásticas. Onde fomos parar? O que não fizemos para isso acontecer? O mundo mudou e parabéns, o mundo muda a cada nascer do sol. Há muitas coisas novas para conhecer, mas isso não parece interessar muita gente. E o Roxy vai fechar. Rosebud. 

*O artigo acima é de total responsabilidade do autor.

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte.

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