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Em agosto, estive em São Paulo para participar de um evento. Como de praxe, criamos um grupo de WhatsApp para trocar informações e combinar encontros. Foi ali que soubemos que uma colega vinda de Santarém estava há mais de duas horas e meia esperando por sua bagagem no aeroporto de Guarulhos. Comentei em voz alta: “Imagina na COP”.
 A brincadeira, claro, era injusta: a COP30 não será em São Paulo, mas em Belém. Ainda assim, a comparação não deixa de ser provocativa.

Nos últimos meses, tornou-se comum ouvir de influenciadores digitais e lideranças políticas paulistas que Belém não deveria sediar a COP30 por ser uma cidade pobre, sem infraestrutura adequada. Argumentam ainda que os investimentos são altos demais e recaem sobre os ombros do contribuinte paulista — ainda que, na prática, a discussão seja bem mais complexa e envolva as profundas assimetrias fiscais entre os estados brasileiros. Para completar, levantam dúvidas sobre a credibilidade da gestão local dos recursos — e, nesse ponto específico, admito que compartilho parte da preocupação.

O que está em jogo, no entanto, vai além do debate imediato sobre a eficiência de uma gestão. Nos últimos 30 ou 40 anos, o Norte foi sistematicamente preterido em grandes investimentos relacionados aos eventos que o país sediou. Basta lembrar: os Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio, consumiram quase R$ 10 bilhões; a Copa do Mundo de 2014, outros R$ 10 bilhões apenas para a capital fluminense; e as Olimpíadas de 2016, cerca de R$ 32 bilhões. São Paulo também não ficou atrás: só em mobilidade urbana para a Copa de 2014 recebeu algo em torno de R$ 11 bilhões — e todos esses valores sem correção para valores atuais.

A pergunta que se impõe é: esses recursos resolveram os problemas estruturais dessas cidades? A resposta é evidente. Longas horas de espera em Guarulhos e a violência cotidiana no Rio de Janeiro mostram que, apesar dos bilhões, os problemas persistem.

Por que, então, insistir em megaeventos? Porque eles deixam legados. Desde as Olimpíadas de Barcelona em 1992, tornou-se evidente que eventos dessa escala podem ser motores de regeneração urbana, atraindo investimentos privados, transformando áreas degradadas e reposicionando cidades no cenário global.

E o que Belém tem com isso?

A realidade brasileira é diferente da europeia, mas ainda assim os exemplos de Barcelona e Bilbao servem de inspiração. O professor Eduardo Costa, do NAEA, uma vez me disse que Belém nunca se recuperou plenamente do fim do Ciclo da Borracha. Crescemos em população entre os anos 1970 e 1990, mas a renda das famílias não acompanhou esse crescimento. Ademais, quando surgiram oportunidades, como a Copa de 2014, fomos novamente preteridos. A escolha de Belém para sedirar a COP30, portanto, representa uma virada histórica, e ajuda na resposta que precisa ser dada à quem questiona a escolha da cidade:

Não é que Belém não possa sediar a COP por ser uma cidade pobre, é justamente por ser pobre que Belém precisa sediar a COP30.

E esta resposta vem acompanhada da profunda indissociabilidade entre a sustentabilidade econômica e ambiental. Ora, precisamos nos tornar um modelo de desenvolvimento urbano e sustentável a partir do que ocorrerá agora em novembro de 2025. Mas para isso, alguns cuidados precisam ser tomados:

O primeiro deles é o impacto imobiliário. Já vemos sinais de aquecimento nos aluguéis, e não é impossível que surja uma bolha nos anos seguintes à COP, acelerando a gentrificação. Comunidades mais pobres podem ser empurradas para longe, sobretudo se a expansão do BRT até Castanhal se converter em justificativa para deslocamentos em massa.

Outro cuidado essencial é garantir a participação genuína da população. Sem diálogo com moradores, indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, as intervenções correm o risco de acentuar desigualdades, em vez de reduzi-las.

Por fim, a sustentabilidade não pode ser apenas um slogan. Cidades como Barcelona e Bilbao recuperaram rios e áreas verdes; Belém precisa assumir compromissos semelhantes, de forma concreta e duradoura.

A COP30 é a chance de Belém se tornar um modelo global. Para isso, precisamos de transparência na gestão dos recursos, de mecanismos de avaliação pública das políticas e de uma visão que una sustentabilidade ambiental e desenvolvimento econômico.

Afinal, não existe sustentabilidade ambiental sem sustentabilidade econômica. E o maior capital de Belém já está dado: sua população. É ela que torna a cidade única no mundo, capaz de atrair olhares e de se transformar, ainda que por alguns dias, na capital das preocupações ambientais do planeta.

O desafio está posto: transformar essa oportunidade em um paradigma de desenvolvimento inclusivo e sustentável. A COP30 pode ser o início de um novo ciclo — se tivermos a coragem de fazê-lo diferente.

Acilon Cavalcante
Arquiteto e urbanista apaixonado por cidades, histórias e pessoas. Tem mestrado em Artes, mestrado em Arquitetura e é doutorando em Mídias Digitais pela Universidade do Porto. Premiado em projetos de planejamento urbano, já atuou com governos e ONGs no Brasil, Canadá e Portugal, sempre conectando urbanismo, design participativo e sustentabilidade. Gosta de transformar dados em ideias e ideias em cidades mais humanas.

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