Sim, e se transformássemos a nossa cidade em uma grande escola?
A primeira vista, parece difícil pensar como isso seria e para que serviria. Mas, iniciemos pelo básico: afinal, o que é uma cidade educadora?
Uma resposta simples é que “Uma Cidade Educadora é aquela que, para além de suas funções tradicionais, reconhece, promove e exerce um papel educador na vida dos sujeitos, assumindo como desafio permanente a formação integral de seus habitantes”, movimento que se tornou internacional a partir da experiência de Barcelona e se difundiu na década de 1990.
Belém, como cidade amazônica com uma força ambiental e uma poética social única, poderia inovar na sua forma-conteúdo e ressignificar, inclusive o sentido escolar.
Substituiríamos as salas de aula fechadas em quatro paredes e inventadas na idade média pelas ruas e praças. As carteiras seriam a grama, a campainha a chuva e o quadro a paisagem. E essa nova cidade-escola chamada Belém teria muito a nos ensinar sobre as cidades na Amazônia, as dinâmicas da natureza e todo processo perverso de colonização que nos cruza.
De repente, no processo, os professores e as professoras se veriam aprendendo e os que aprendem, estariam ensinando, em um processo de valorização da cultura como elemento vivo e reconhecimento da relação entre saberes, resgatando o cuidado intergeracional típico dos nossos povos e da nossa vida profunda.
Neste momento, nos veríamos como comunidade de aprendizes em que quem “professa” é a vida, perdendo sentido a ideia tradicional do professor como o responsável pelo “professar” aos “a-lunos”, cuja recepção passiva da fala permite superar a ignorância que é tida como uma espécie de “mal de origem” da categoria dos aprendizes e não do sujeito.
As paredes, os muros, as árvores seriam o nosso conteúdo. Nele revisitaríamos a nossa história, a nossa memória e as suas imbricações e contradições com o nosso tempo-espaço presente, em que o espaço esquizofrênico que une diversos tempos, temporalidades, sentidos, significados e tensões se colocaria como um desafio a ser desvelado, em uma polifonia em que histórias apagadas e invisibilizaras dos “de baixo” pudessem ser reconhecidas e recontadas.
Cada roteiro pela cidade, cada percurso de bike, cada batalha cultural, marcha de protesto, ocupação cultural e remada pelos rios, entre tantas outras atividades comuns que nos fazem circular por Belém, seria uma aula nova.
De repente, o cotidiano ganharia novos sentidos, o porque das ruas, o porque das praças, a ausência ou a presença das formas, os espaços permitidos e os proibidos fariam sentido não apenas como palco, mas como parte de nós e a bibliografia de leitura do mundo se tornaria cada vez mais biografias individuais e coletivas de vivências do mundo.
A política municipal de participação cidadã, que retoma e reconfigura as políticas de participação popular na gestão pública, seriam exercícios de educação política e de democratização dos recursos da cidade, invertendo prioridades e trazendo o poder de decisão para os que verdadeiramente deveriam o exercer.
Já não teria sentido a cantina, porque a manga se pega no chão e não pode haver nada mais democrático do que uma cidade em que a alimentação é ancestral e comunitária, baseadas em frutas que estão ao alcance de todos.
Os museus ganhariam novos sentidos porque a pintura, a música e a poesia nas várias estéticas populares estariam em todos os lugares, ocupando o cinza e o falso cimento queimado, nos surpreendendo e nos ensinando em cada canto.
Como seria legal ver a geometria euclidiana dar lugar a um novo mapa das cidades e a fragmentação cartesiana se desfazendo quando, estudando matemática nos encontramos com a história, elas fluindo e carregadas de sentido.
Nesta hora, os nomes das ruas, os palacetes e os bairros já não teriam mais os mesmos significados e o suor dos construtores, o sangue dos resistentes e as dores dos oprimidos nos apresentariam novos heróis e novas heroínas.
Que loucura pensar uma cidade assim, de todos e de todas, em que quem aprende melhor não é quem paga mais, mas quem experimenta a beleza de viver a cidade como um comum.
Pode ser pura imaginação pensar uma cidade assim. Mas imaginar Belém como cidade educadora, unindo as várias formas de ativismo que vivenciamos uma cidade tão viva e ativa é um sonho possível.
Uma cidade potente culturalmente, de povo alegre, de histórias de resistências, que aponte a necessária transição agroecológica que precisamos passar e que pense o nosso futuro a partir do comum e do ancestral é o grande desafio de propor convergências possíveis.
Circulando por Belém, como resistência e cultura viva, poderíamos pensar uma cidade educadora amazônica, com as marcas dos nossos povos e que reconheça que a nossa vivência espacial é produtora da nossa própria pedagogia.
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