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Minha mãe nasceu em Muaná. O avô João Camarão foi prefeito em São Domingos do Capim e depois trouxe os filhos para Belém. Minha avó paterna era de Soure. As famílias eram grandes, dez, quinze filhos. Minha mãe contava muitas lembranças do Marajó. Das lendas. Boiúna, Boto, Iara, Matinta Pereira e etc. Quando escrevi minha primeira peça, “Foi Boto, Sinhá”, fez um glossário com expressões bem marajoaras. Criança urbana, nada sabia. Mais tarde, pesquisei para “Pssica” e visitei Soure com jornalistas que faziam matéria sobre o livro. Li Zeneida e recentemente, fiz a dramaturgia para “Encantados”, que agora está em cartaz no Rio de Janeiro. E então li “Raízes Marajoaras”, de Ernesto Boulhosa (*). A família quase toda mora em um casarão de dois andares na Cidade Velha. Quando a Casa Cuíra passou a ser na mesma rua, passei a encontrar alguns dos irmãos, indo ou vindo em seus afazeres. Li o livro e fiquei espantado com a importância da publicação. Um trabalho que deveria ser leitura obrigatória, no mínimo em Belém e no Marajó. Ernesto quer contar a vida de sua mãe Herundina, mas ao fazer isso, leva-nos também ao bisavô, avô e pai, Seu Chiquinho, belíssima figura. Muito mais, ainda, seu relato, de um menino que desvenda todos os segredos de seu lugar, Cachoeira do Arari é encantador. Detalhista ao extremo, recupera a vida de seus antepassados, as pessoas, a pequena cidade, suas figuras e sobretudo, fauna e flora, com detalhes impressionantes. Os vaqueiros em sua azáfama. Os barqueiros, peixeiros, velhos amigos se confraternizando em uma vida que inicialmente era simples e tranquila, sendo algum tempo depois, perturbada por ladrões de gado. Os filhos nascendo e Dona Herundina administrando a casa, enquanto Seu Chiquinho, agora com um barco, percorria as fazendas adquirindo bois para o abate em Belém. Voltava e contava as novidades. A chuva forte, persistente, a maré que levava alguns mais açodados para o harém da Iara, a Matinta assoviando ao longe, pedindo tabaco. Ernesto a tudo observa, minuciosamente como se anotasse para depois nos contar neste livro. Uma vida de trabalho, mas também de brincadeiras e muito aprendizado. A primeira parte encerra quando Dona Herundina, preocupada com os estudos dos filhos, resolve vir para Belém. Ernesto e suas dificuldades em se inserir na vida urbana, no Colégio do Carmo, esquivando-se dos carros e a estranheza de tanta gente desconhecida que passa. Mais uma vez, é Dona Herundina que administra tudo, tendo os filhos sempre em controle, a afasta-los das tentações da cidade grande. Mas aí já estamos em Belém, onde o curioso é seguir seus passos pelas ruas que conhecemos. Para mim, a primeira parte é absolutamente encantadora. Recomendo a todos que amam sua terra, ler este livro apaixonado, um livro de amor por Cachoeira do Arari, seu chão, sua gente, seu mundo maravilhoso e mágico. Excelente.

  • Ernesto Boulhosa. Editora Cromos
Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte. Foto: Ronaldo Rosa

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