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Meus cabelos estão sumindo. É hereditário. Meu avô e meu pai também passaram por isso. Houve um tempo em que usei cabelos longos. Há uma foto, feita por Luiz Braga, em meu livro “Navio dos Cabeludos”. O título guarda uma história de infância. Acho que foi após a Primeira, talvez a Segunda Guerra Mundial, que os homens, seguindo a postura guerreira dos militares, passaram a cortar os cabelos bem rente, que depois apelidamos de “reco”. Mas, naquele momento, anos 60, revolução de costumes, meu irmão mais velho desafiava a família deixando crescer as madeixas. Minha mãe inventou o Navio dos Cabeludos. Ouvíamos no apartamento o apito dos navios no porto, então bastante movimentado. Quem não cortasse cabelo embarcaria nele. Hoje parece bobagem, mas a idéia é bem interessante. Mas os homens e seus cabelos… Os de Jesus, segundo seus pintores eram longos e castanhos. Sedosos? Como, naquele calor e poeira no ar da Galiléia? Todos usavam cabelos longos na História. Então como é que chegamos aos cabelos curtos, recos, da turma do pós Guerra? A garotada dos anos 60 virou tudo. Havia um grupo chamado Brazilian Bitles, que além de tocar versões terríveis dos ingleses, ousava repertório próprio. Estavam sempre na Tv Marajoara. O conjunto veio a Belém. Tumulto. Assinariam discos em uma loja. Não deu. A Polícia interveio. Meninas alucinadas se descascando em sopapos. Dizem que uma conseguiu entrar no quarto dos músicos, ali no então Hotel Vanja. Primeiro, na música “É Onda”, cantavam: Meu coração parou de bater, quando alguém se pôs a dizer, que meu amor ia me deixar, porque o meu cabelo eu não queria cortar… Era uma libertação. As famílias tiveram de permitir. Depois, uma versão do francês Michel Polnareff, “Cheveux Long et Idée Curté”, onde cantavam: Não seja quadradão, é melhor se mancar e no meu cabelão, deixe de reparar… O carnaval não podia deixar de tirar sua casquinha, mas de maneira, digamos “quadradona”, cantando “olha a cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é?”. Todos cantaram e continuaram cabeludos. Havia colégios que proibiam, outros que tinham fita métrica para medir o comprimento. Quanta tolice. E os Beatles balançando seus cabelos no “A Hard day’s night”. As meninas choravam e se batiam nas grades. Nem todos os cabelos tinham, digamos, o movimento como o de Ronnie Von fazia ao cantar “Meu Bem”, versão de “Girl”, dos Beatles. Era preciso alisar para ficar na moda. O resultado geralmente era péssimo e o cara ainda acabava cortando tudo. Os barbeiros se prepararam com tônicos e alisadores, diante da possível quebra de clientes. O cabelo do Roberto Carlos era ruim. Hoje, acredito até que o Rei do iêiêiê use uma peruca, de tanto que alisou durante todos esses anos. Fica bem cabelo de boneca. Aliás, é assim que brincam com Bruno Henrique, jogador do Flamengo. Acabei deixando de lado os cabelos da raça negra, que também nos anos 60 passaram a ter grande proeminência. Jimi Hendrix, Buddy Miles, Miles Davis, Angela Davis, tantas e tantas grandes figuras, de suma importância para a Cultura. Surgiram também os cortes modernos, da turma do reggae, por exemplo, os desenhos geométricos e lembro até do Ronalducho e seu corte “Cascão” em uma Copa do Mundo. Bom, se essa moda dos cabelos masculinos definir de alguma maneira o pensamento de cada indivíduo, até onde isso irá? Antes, todos de cabelos longos. No século XX, até pouco mais da metade, os homens usavam curto, reco. Depois, esse turbilhão que conhecemos. Até quando? Haverá outra mudança? Talvez sejamos todos carecas, no futuro. Tenho lido que realmente, muitos estão ficando calvos bem cedo, para os padrões de antes. Tanta poluição, química e tiros pelo ar que os homens sentem. E as mulheres, não? Isso é outro assunto.

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte. Foto: Ronaldo Rosa

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