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Ontem dei adeus ao respeitado e admirado jornalista, radialista, professor, escritor e pesquisador – fotógrafo nas horas vagas – Manuel Dutra, profissional responsável pela formação de gerações de jornalistas e, sobretudo, um homem e cidadão de bem.

Lembrei de quando, na condição de presidente da Comissão da Verdade, Memória e Justiça do Sindicato dos Jornalistas do Pará, pude tomar seu depoimento, em audiência pública no auditório da Alepa, em um dos muitos momentos emocionantes de uma história que ainda será contada a partir dos fragmentos que se recolhe. Testemunhos oculares de um tempo de trevas em que a liberdade virou sonho e esperança.

O parauara Manuel Dutra, professor da UFPA e Ufopa, mestre em Planejamento do Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido e doutor  em Ciências Socioambientais pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da UFPA, estudou jornalismo em Recife, na Universidade Católica de Pernambuco, onde, ainda como membro do Diretório Acadêmico, sentiu o peso do AI-5 no dia em que o muro em frente à Faculdade amanheceu pichado com os nomes dos considerados subversivos, o seu inclusive. Como sabia que a ameaça era para valer, decidiu dar um tempo em Santarém, sua terra natal, onde começou a trabalhar na Rádio Rural, dirigida pelos padres da igreja católica. Era 1969.

Em Santarém, chamado duas vezes ao Comando Militar, Dutra não foi preso, embora também tenha sido interrogado sob a assombrosa justificativa de que às 6h da manhã a rádio transmitia programação obscena. Como era um padre que rezava a Ave Maria nesse horário, impossível tal conduta. A explicação: o zeloso militar achava que, no trecho “bendito é o fruto do vosso ventre”, “ventre” era um palavrão(!).

Retornou a Recife e trabalhou no Diário de Pernambuco e na Agência Nacional, que era a antiga agência de notícias do governo federal. Retornou em 1972, formado, para Santarém, e retomou suas atividades na Rádio Rural, onde aprendeu na própria pele a ter mais medo dos donos de garimpo do que dos militares. Eles mandavam matar e ficava por isso mesmo, contou Dutra. Lei do terror, do silêncio e da impunidade. Ambientalista antes de ser moda, Dutra, muito antes de o Brasil ter leis ambientais, já fazia reportagens denunciando a contaminação do rio Tapajós pelo mercúrio do garimpo ilegal.

Como todos os seres iluminados, era humilde, simples e acessível. Sabia ouvir e valorizar as pessoas. Manuel Dutra deixou seu próprio exemplo de integridade, ética e cidadania.

Solidariedade e afeto à sua viúva, desembargadora federal do Trabalho Zuíla Lima Dutra, também santarena e ativista social em prol da infância, suas filhas e cunhado professor doutor em Comunicação Samuel Lima, meu amigo da vida inteira.

Manuel Dutra, presente!

Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, membro da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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