Publicado em: 2 de junho de 2025
Após 17 anos na Câmara e 4 de tramitações e negociações no Senado, foi aprovada a criação da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, por 54 votos a 13 entre os senadores, no dia 21 de maio, agora em regime de urgência. Votações da matéria PL 2159/2021 – Senado Federal
Um processo eloquente de como se dá a relação entre Mercado, Estatal e Público entre nós, estabelecendo a verdadeira ordem política, econômica e cultural, que obedecemos.
O Projeto de Lei 2159/2021, popularmente conhecido como “PL da Devastação”, propõe alterar importantes dispositivos dos Códigos Florestal e Mineral, com implicações centrais para a gestão dos recursos naturais do Brasil:
- O projeto visa reduzir a extensão das Áreas de Preservação Permanente (APPs), áreas essenciais para a manutenção da biodiversidade e recursos hídricos e minerais.
- O projeto busca possibilitar maior exploração econômica nas áreas de Reserva Legal, diminuindo as restrições para tradicionais atividades agrícolas, pecuárias e minerárias.
- O PL traz a modificação dos critérios para compensação ambiental, tornando-os mais permissivos e menos rigorosos.
Portanto, diversos impactos sistêmicos negativos, sobre o interesse público, podem ser previstos: 1) A redução das áreas protegidas deve levar ao aumento do desmatamento sem critérios, implicando no aumento da perda de biodiversidade, cientificamente comprovada como a base de recursos capazes de gerar muito mais riquezas, a partir das comunidades, do que as atividades econômicas que precisam da floresta derrubada. 2) APPs(Áreas de Proteção Permanente) desempenham um papel crucial na proteção dos cursos d’água e na manutenção da qualidade da água. Sua redução pode comprometer a disponibilidade e qualidade dos recursos hídricos para as populações locais e até centros urbanos. 3) A intensificação do desmatamento e exploração de áreas naturais contribui para o aumento das emissões de carbono, agravando a crise climática, o que significa interesse público, inclusive global. A COP 30 é uma forte evidência disto.
O suposto representante do “interesse público” é o Estado, sobretudo em uma democracia, ainda que meramente formal como a que temos na maioria dos países, inclusive no Brasil. Acontece que parte dos sujeitos econômicos do mercado, que operam no espaço dos interesses particulares, são os poucos que acumularam renda, riqueza e poder nos últimos séculos, com este modelo de desenvolvimento, ou seja, interesses que nem sempre coincidem com o interesse público. E é amplamente estudado pela ciência que este “sucesso” se deve porque desenvolveram estratégias, não só no estrito espaço do mercado, mas também no espaço Estatal.
A subordinação de representantes do interesse público, aos interesses particulares, para além de legítimos programas de governo, normal na dinâmica democrática, também pode se dar pelo que se tem denominado amplamente por todos os lados, como corrupção. A corrupção enquanto discurso é um artefato de formação de opinião, mas enquanto fato, passou a constituir uma dimensão da ordem econômica, política e cultural que obedecemos genericamente, direta ou indiretamente.
Apesar da condenação formal da moral da Sociedade, a normalização deste comportamento se entranhou no espaço público e privado, determinando não apenas estratégias ilegais, mas também as legais. Em 1994, o Congresso Nacional aprovou a isenção de lucros e dividendos do pagamento de Imposto de Renda, o que tornou o Brasil como único das 100 maiores economia a não tributar os ganhos dos super ricos, entre outras estratégias que nos fez a terceira nação do mundo com maior desigualdade.
Vale ressaltar que esta decisão é uma frontal infringência do preceito constitucional de 88 que determina a proporcionalidade entre tributação e rendimentos do contribuinte. Ou seja, corromperam um princípio constitucional e tornaram legal o absurdo de fazer o que ganha menos pagar mais tributos proporcionalmente.
Agora no PL 2159, a devastação moral que legaliza a corrupção, também está presente. “Outra emenda acatada, do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), busca oferecer segurança jurídica ao servidor público. O texto estabelece que a responsabilidade criminal e administrativa na concessão de licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais se dará apenas se houver dolo (intenção). A emenda exclui a forma culposa da conduta, que atualmente é punida com três meses a um ano de detenção, além de multa”. (Fonte: Agência Senado)
Sem que o “público” se estruture a partir de novos patamares de organização da Sociedade para o efetivo direito ao Controle da Sociedade sobre o Estado, com participação social efetiva e total transparência das decisões governamentais e demais agentes públicos, continuaremos normalizando a privatização do espaço estatal, nos distanciando da centralidade da Sustentabilidade que diz respeito ao equilíbrio entre o tão esquecido social, o econômico e o ecológico, tal como aprovado e defendido pelas Nações Unidas.
O equilíbrio entre Mercado, Estatal e Público é a dimensão política e institucional que a Sustentabilidade exige entre econômico, social e ecológico que circula nos 3 espaços institucionais. Dimensões que se complementam para tornar o Desenvolvimento Sustentável enfim, um fato.
A flexibilização das normas de licenciamento de atividades potencialmente predatórias, claramente opera a concentração da renda, riqueza e poder de quem já tem muito e socializa ao público impactos ambientais irreversíveis, como há 500 anos a extinção do Pau Brasil, prejudicando a biodiversidade, os ecossistemas as comunidades locais tradicionais, estrangulando o crescimento do mercado de consumo e os ganhos dos empresários do varejo.
Sim, por incrível que pareça, a maioria dos empresários de serviços e comércio locais, que dependem do mercado de consumo de varejo, não conseguem entender que são os principais prejudicados com o atual modelo de desenvolvimento de Commodities que concentram renda, riqueza e poder, principalmente fora daqui. Mas esse papo fica pra próxima…
“Tristes tempos em que é preciso explicar o óbvio”.
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