Publicado em: 27 de março de 2025
O “acordo” entre marajoaras, a Henvil Transporte Ltda. e a Agência de Regulação e Controle de Serviços Públicos do Estado do Pará sem dúvida carece de legitimidade. O reajuste tarifário do transporte aquaviário de Belém para o arquipélago do Marajó, onde vivem mais de meio milhão de almas em meio à extrema pobreza dos municípios com menor IDH – Índice de Desenvolvimento Humano do Pará, do Brasil e do mundo, é mais um flagelo imposto a essa gente tão sofrida. De um lado, estavam ribeirinhos quilombolas e caminhoneiros, desassistidos, sem a presença da Defensoria Pública e da OAB-PA; e de outro, a empresa de navegação e a Artran, ambas com suporte de assessoria jurídica. Desigualdade gritante, sendo que é dever do Estado zelar pelo interesse público.
A promotora de justiça Juliana Freitas dos Reis, presente na reunião, observou que a principal pauta foi a falta de transparência nos estudos tarifários apresentados pela Artran e os impactos econômicos do aumento tarifário para comunidades quilombolas e caminhoneiros que dependem do serviço, e reforçou a necessidade de que não comprometa o acesso da população mais vulnerável ao transporte. Durante a reunião, também foram denunciadas restrições no acesso a serviços básicos nos portos, como banheiros.
A aplicação de 10%, válido a partir de ontem, 26, incidindo sobre o transporte de veículos (carros de passeio, motos, caminhões, ônibus, vans, maquinário agrícola e sala executiva), nas linhas Icoaraci-Camará e nas travessias Soure-Salvaterra e Cachoeira do Arari-Salvaterra é um duro golpe no turismo – uma das poucas fontes de renda dos municípios do Marajó – além do que vai encarecer absurdamente o que já é muito caro. Todos os produtos custam no mínimo três vezes mais no arquipélago, em razão justamente da precariedade do transporte fluvial de cargas e passageiros.
Não se justifica monopólio de empresa, muito menos nunca ter sido licitado o serviço, que deveria ser concessão pública. O povo do Marajó não pode ser penalizado pela incapacidade histórica do Governo do Pará e do governo federal em proporcionar a efetivação de direitos e garantias fundamentais como boa educação, saúde, segurança, cultura, infraestrutura e logística de transporte. O território marajoara tem dimensão superior à de países como Bélgica e Suíça. O acesso é exclusivo por meio de rios, em trajetos que podem ultrapassar 30 horas. Por conta das condições geográficas e climáticas aumentam ainda mais a vulnerabilidade social, econômica e ambiental de seus habitantes, face à ausência de ações afirmativas para pelo menos reduzir tamanha desigualdade.
A Artran e a Seinfra (antiga Setran) prometeram pela enésima vez licitar a concessão do serviço, o que já deveria ter sido feito há décadas. O Marajó merece transporte digno, seguro, pontual, rápido, limpo e confortável, com preço justo. Sem concorrência não há como garantir isso.
Unidade de Uso Sustentável criada pela Constituição do Pará de 1989, a Área de Proteção Ambiental Marajó é a maior Unidade de Conservação na costa norte do Brasil, com cerca de 59.043,22 Km2 e 5.904.322 hectares. Os principais objetivos da APA são proteger a diversidade biológica, desenvolver e melhorar a qualidade de vida da população marajoara, organizar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.
Sugiro ao governador Helder Barbalho que, em observância aos ditames constitucionais, chame a si a solução e, se considerar que realmente há necessidade de reajuste tarifário, seja através de subsídio estatal, na forma de incentivos fiscais, com redução da carga tributária, de modo a não agravar ainda mais o drama humanitário marajoara.
Comentários