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Nessas minhas mil andanças por projetos de mineração em toda a Amazônia, tenho me deparado com fatos marcantes e alguns muito divertidos. São eventos e histórias engraçadas do cotidiano, que eu anoto no meu arquivo secreto para contar um dia. Uma das mais espirituosas que eu já ouvi, surgiu em papo descontraído de hora de almoço e aconteceu há muitos anos numa das famosas repúblicas de estudantes de Ouro Preto.

Todos sabemos que uma das mais tradicionais, antigas e bem estruturadas escolas de engenharia de minas, no Brasil e no mundo, é a Escola de Engenharia de Minas Ouro Preto, em Minas Gerais. Tão tradicional que foi idealizada pelo nosso imperador D. Pedro II, e fundada pelo cientista Claude Henry Gorceix em 12 de outubro de 1876. São inúmeros os profissionais graduados naquela escola que prestaram e ainda prestam relevantes serviços ao nosso país, no setor mineral, grande parte deles aqui mesmo na Amazônia e muitos espalhados pelos quatro cantos do mundo.

Além de ter a localização privilegiada numa cidade histórica, e do ensino de primeira linha, essa escola é conhecida pelas inúmeras repúblicas de estudantes que se espalham pela cidade e que já fazem parte de qualquer roteiro turístico dos que visitam Ouro Preto. Ter morado e freqüentado uma delas é, praticamente, a marca pro resto da vida de quem teve a ventura de estudar naquela vetusta faculdade.

As repúblicas são administradas pelos próprios estudantes, que definem as regras rígidas para o estudante ser admitido numa delas. E os nomes são o que há de mais sugestivo. Vejam alguns exemplos: Adega, Arca de Noé, Bem na Boca, Castelo dos Nobres, Covil dos Gênios, Nau Sem Rumo, Calamidade Pública, Necrotério, Poleiro dos Anjos, Pulgatório, Convento, Vira Saia e muitos outros. Nas moradias os estudantes também fazem promoções para melhorar o orçamento, e oferecem lugares para turistas que quiserem lá se hospedar durante o famoso carnaval de Ouro Preto e outras festividades.

Vejam como a citada república, Calamidade Pública, estava anunciando via internet, no início deste ano, uma vasta programação para o carnaval de 2007, da qual eu anotei alguns de uma série de itens muito atrativos:

-Ótima localização

-Som no talo 24 horas por dia

-Boate à disposição a qualquer momento (QUALQUER MOMENTO MESMO!)

-Cerveja liberada (é muita cerveja!)

– Abadá

Quando eles falam em boate, é porque as repúblicas ou, pelo menos a maioria delas, são dotadas de boates, geralmente funcionando nos porões como um território livre e sagrado.

O caso que eu ouvi no dito almoço pela boca de um ex-morador de uma dessas casas, foi sobre um colega deles que, de quando em vez, para aliviar o nervosismo perto das provas, apreciava fazer uma viagem extra puxando um baseado. Acontece que na mesma república também morava um estudante evangélico e, ao contrário do outro, perto das provas e nas horas de folga, agarrava-se à sua Bíblia para fazer um outro tipo de viagem navegando concentrado nas palavras do Senhor.

Tua ia bem e na santa paz até o dia em que o crente deu o alarme, botou a boca no mundo, gritando meio histérico que parte de sua preciosa Bíblia tinha evaporado. Para ser exato, mais de trinta páginas do livro sagrado haviam sumido não tão misteriosamente assim, arrancadas que foram, folha por folha, pelo outro estudante, na fabricação dos seus esmerados baseados de maconha, tendo consumido nessa prazerosa tarefa, todo o sábio e filosófico Evangelho de Mateus.

Hoje o estudante dos baseados, que recebeu a alcunha de O Evangelista, é um importante executivo do setor e reside fora do Brasil.

Ademar Ayres Amaral
Engenheiro e Escritor.

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