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Fotos: acervo da Comissão da Verdade do Pará
O Museu da Guerrilha do Araguaia, em São Geraldo do Araguaia (PA), era fachada para Eduardo Lemos Porto, técnico agrícola e agente da repressão política infiltrado no Sul do Pará entre as décadas de 1970/1980 pelo Centro de Inteligência da Marinha (Cenimar).
A descoberta da Comissão Estadual da Verdade do Pará, em conjunto com a Universidade Federal do Sul e Sudoeste do Pará e a Associação dos Torturados na Guerrilha do Araguaia, foi apresentada ontem, 31, no auditório do Campus I da 
Unifesspa, em Marabá, em relatório da diligência realizada no último dia 18. O acervo recolhido, constituído por documentos oficiais, revelou que o antigo Museu da Guerrilha do Araguaia serviu, durante mais de vinte anos, de fachada para ações de monitoramento, vigilância e informações.
A infiltração do agente na região, onde foi deflagrada à guerrilha do Araguaia (1972/1975), correspondeu às preocupações que a repressão política teve com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Partido Comunista do Brasil (PC do B) no curso das crescentes lutas de resistência dos posseiros conta a grilagem e os grandes empreendimentos no Sul e Sudeste do Pará.
A ação de Eduardo Lemos Porto, ligado à Marinha desde 1973, foi de assessoria às ações do Grupo Executivo de Terras Araguaia-Tocantins (Getat), instrumento que militarizou a questão fundiária na região e que era ligado diretamente ao então Conselho de Segurança Nacional da Presidência da República.
Os documentos comprovam, ainda, que a estrutura de vigilância e de informações aos órgãos de segurança perdurou até a década de 2000 e que os camponeses que lutam para conquistar reconhecimento e reparação, ligados à ATGA, foram vigiados pela estrutura clandestina, com amplas conexões com agentes do Estado na ativa. Os documentos originais do Getat e relatórios oficiais encontrados estão sob a guarda do
 curso de História da Unifesspa. A partir deles, a universidade vai sustentar o pedido de tombamento da Casa Azul, antiga base do Exército, utilizada como prisão e local de tortura de presos políticos na época da guerrilha.  

A Comissão da Verdade do Pará foi a Marabá, representada por seu membro Paulo Fonteles Filho, tratar da parceria com Unifesspa e agendar audiências públicas na região, além da constituição da Clínica de Testemunho, tombamento da Casa Azul e repasse dos documentos do período da ditadura militar e Guerrilha do Araguaia encontrados em São Geraldo. A operação, que vem desde junho de 2015, desencadeada através da professora Idelma Santiago da Silva e com a participação do sociólogo Alex Costa Lima, recolheu mais de 250 Kg de materiais diversos, inclusive os relativos à prisão dos padres e posseiros do Araguaia e à ação das forças repressivas no controle da conflitos fundiários na Amazônia paraense, na passagem das décadas de 1970/1980. “Já debruçados nos documentos, em conjunto com Sezostrys Alves da Costa e João de Deus, da Associação dos Camponeses Torturados na Guerrilha do Araguaia, vamos tomando consciência de que o material recolhido é muito mais contundente que esperávamos. Há, também, documentos originais do Getat, revelando forte esquema de vigilância sobre os posseiros do Baixo-Araguaia e da luta pela posse da terra, como foi o caso da ‘Guerra do Cajueiro’, na segunda metade da década de 1970. O Museu da Guerrilha do Araguaia, no município de São Geraldo, que deveria justamente resguardar a memória da guerrilha, era, na verdade, a base de um agente da repressão, que atuava entre Marabá, São Geraldo do Araguaia e Itupiranga.
A descoberta aconteceu por acaso, no final de semana, quando alguns documentos eram analisados no museu. Além da documentação, foram encontrados ainda três crânios humanos, que podem ser de vítimas do Exército na época da Guerrilha do Araguaia
“, relata Paulo Fonteles Filho, filho do advogado, ex-preso político e ex-deputado estadual assassinado Paulo Fonteles, e da professora da UFPA Hecilda Veiga, que nasceu na prisão e é grande conhecedor da área, dispõe de vasto acervo sobre o Araguaia e até participou como consultor de cineastas que filmaram o cenário da luta armada no Pará. 

Eduardo Porto, o homem que tão bem cuidava do Museu da Guerrilha, era na verdade um oficial da Marinha, e relatava a movimentação na região até meados de 2007. Poucos anos depois ele alegou que estava sofrendo perseguição e conseguiu entrar no programa de proteção a testemunhas (Provita) e nunca mais foi visto.
Desde então, o museu ficou abandonado, de modo que a Comissão da Verdade e a ATGA decidiram recolher o acervo do museu e foi quando depararam com documentos que comprovam a presença da repressão na região. Nas ‘fichas’ do material encontrado há indicações sobre quem o extinto Getat deixaria ou não ficar com a terra, evidenciando que a maioria dos posseiros deveria ser despejada de seus lotes ou glebas. Um conjunto de fotografias também desnuda a vigilância sobre os Gavião e o movimento indígena. 
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, presidente da Academia Paraense de Jornalismo, membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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