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Pedro Bial entrevistou Adriana Calcanhoto e um jornalista português que escreveu um livro sobre as estranhezas entre Brasil e Portugal. Qual a razão para termos tão pouco impacto da Cultura Lusitana entre nós, sobretudo após a invasão americana? Disseram sobre a escravatura, a resistência ao Império brasileiro e vários outros fatores que já conhecemos. Para nós, aqui do Pará, talvez exista ainda rancor encravado em nossas almas, por um passado de tantas mortes e até a Cabanagem, a recusa a aderir à Independência e a atitude dos portugueses em relação aos brasileiros em terra tão miscigenada. No entanto, não percebo, nos dias de hoje qualquer aversão a eles, perfeitamente adaptados e aceitos à sociedade paraense. Mas é necessário dizer que falta um engajamento maior na área cultural. Até uns quarenta anos atrás, talvez, a colônia participava de vários eventos, a Tuna Luso Brasileira era uma potência social e esportiva; o Grêmio Literário Português, também. Lembro de ter ido à maravilhosa sede do Grêmio na Manoel Barata assistir palestras sobre Fernando Pessoa, por exemplo, proferida por João de Jesus Paes Loureiro. Creio que o período de Salazar no poder bloqueou essa troca em uma época em que, mesmo com a nossa ditadura, houve uma explosão de talentos brasileiros. Mas após a Revolução dos Cravos, Portugal, mesmo enfrentando crises, renovou-se, com seus artistas jovens ganhando o mundo, cantores, músicos, escritores, atores e principalmente, recebendo os artistas brasileiros de braços abertos. O contrário não aconteceu. Sim, há Saramago e outros romancistas, até moçambicanos com muitos leitores. Mas há muitos outros, que diga meu amigo Albano Martins, que está sempre a sugerir novidades através das mídias sociais. Na música há muito mais do que Carminho e mais dois ou três que furaram a bolha. Isso acontece em relação ao Brasil. Trazendo para o Pará, queixo-me da falta de ação da colônia portuguesa em apresentar suas imensas e ótimas novidades culturais. Hoje o fluxo é grande de brasileiros tentando a vida por lá. Mas em uma de suas crises, já conheci um jovem, então técnico da MTV portuguesa, louco por emprego por aqui. E muito bem preparado.

Muito interessante, o Brasil. Somos cercados por países da língua espanhola. No entanto, não trocamos nada com eles, com algumas exceções à Argentina, por exemplo. Esses países, ainda são umbilicalmente ligados à Espanha. Há uma troca intensa em favor da cultura, mesmo que os andaluzes tenham deixado um rastro de sangue e saque por onde passaram. Experimente viajar para Bogotá, imensa cidade e após alguns dias perceberá que o Brasil, por lá, sequer é notado, sequer mencionado em noticiário. E lembrem o tamanho do nosso país em relação aos vizinhos. Uma vez, bem antes daquela noite medonha cobrir a nossa cultura aqui no Pará, sugeri em um Forum de Secretários, ao qual fui com Guilherme La Penha, um encontro anual Pan Amazônico, que a cada ano se realizaria em uma das capitais da região, claro, incluindo todos os países. Pensei certa vez nos clubes locais mandarem às favas a CBF e fazerem campeonatos entre os países amazônicos, dado o imenso descaso do qual somos alvo há longos e longos anos. Recentemente encontrei no Rio Grande do Sul uma comitiva do Festival Folio, de Literatura, realizado em Óbidos, Portugal. Pedi a palavra e comentei sobre nossa região, sua importância histórica para Portugal, vários nomes de cidades iguais, a colônia, nossa diversidade e qualidade na Literatura. Este ano, o grande Fábio Horácio esteve no Folio, o que é ótimo. Mas qual outra iniciativa? Recentemente houve um encontro sobre Saramago. Mais um tiro pro céu, porque não fazendo parte de um processo que inclua outras áreas e sobretudo, uma sequência.

Concluindo, precisamos acordar para a Cultura de Portugal. Precisamos acordar para a Cultura de nossos vizinhos. Precisamos nos voltar para a nossa própria Cultura, a do Pará e mostrar nosso valor, sem aguardar que por muita sorte ou milagre, furemos essa imensa parede de desconhecimento que breca nossa possibilidade de alcançar grandes mercados e tornar nossos artistas conhecidos. Procuremos mais nossos vizinhos, Maranhão, Amapá, Amazonas, Acre, Rondonia, Roraima, Tocantins. Espalhemos nossa própria Cultura em nosso próprio Estado, grande como um país, onde um município não conhece o outro. Somente a Cultura para nos unir. Os artistas da capital vão e receberão os do interior. Será tão imensa tarefa?

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte. Foto: Ronaldo Rosa

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