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O Ministério Público Federal (MPF) solicitou à Justiça Federal, no último dia 18 de junho, a suspensão imediata da Licença de Instalação concedida ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para a realização de obras de derrocamento de rochas no trecho do Pedral do Lourenção, no Rio Tocantins, no Pará. A medida, que integra o projeto de implantação da hidrovia Araguaia-Tocantins, é considerada pelo MPF uma ameaça grave ao meio ambiente e aos direitos de comunidades tradicionais que habitam a região, em especial indígenas, quilombolas, ribeirinhos e pescadores artesanais.

De acordo com o MPF, a licença concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em maio deste ano, foi emitida em afronta direta a normas jurídicas e decisões judiciais já em curso, sem o devido cumprimento de condicionantes ambientais e sociais essenciais, como a realização das Consultas Prévias, Livres e Informadas (CPLIs) previstas na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. A petição também requer a suspensão ou anulação da Licença Prévia, base legal de todo o empreendimento.

Entre as ilegalidades destacadas, o MPF chama atenção para a ausência de estudos sobre os impactos à fauna aquática e à pesca, atividades fundamentais à subsistência das comunidades locais. Espécies ameaçadas, como o boto-do-Araguaia, a tartaruga-da-Amazônia e peixes de grande valor ecológico e cultural, estão entre as diretamente ameaçadas pela explosão do pedral. O documento alerta que a emissão da LI nestas condições subverte o próprio objetivo do licenciamento ambiental, transformando uma etapa que deveria garantir a segurança socioambiental em mera formalidade, empurrando para o futuro a comprovação de dados técnicos que já deveriam ter sido apresentados.

Além disso, o MPF critica a tentativa do Dnit de minimizar os impactos, oscilando entre apresentar a obra como uma “grande hidrovia” ou como “pequenas intervenções”. Essa dualidade, segundo os procuradores, serve para reduzir as obrigações de compensação socioambiental e evitar a responsabilização por eventuais danos, como já ocorreu no processo de licenciamento da usina de Belo Monte. Lá, a falta de estudos adequados sobre pesca levou a uma avalanche de ações judiciais de indenização ainda não solucionadas, um cenário que, segundo o MPF, se repete agora.

O pedido judicial também cita o relato comovente da criança quilombola Yasmin Souza, feito durante audiência pública promovida pelo MPF em 2023: “A hidrovia é um projeto de morte, pois isso vai destruir a vida do nosso rio, afetando a nossa cultura, a nossa identidade. (…) Esse rio é nosso, não é de vocês”. A fala foi incluída, em destaque, como símbolo da resistência das comunidades diante de mais um projeto estatal que ameaça sua existência e território sem participação efetiva.

O MPF sustenta que seguir com a obra nessas condições compromete a integridade do processo judicial em curso (Processo nº 1035924-87.2024.4.01.3900) e reforça o risco de violação de direitos humanos, como nos casos em que o Brasil já foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. A reivindicação é para paralisar imediatamente as obras, garantir o direito das comunidades à consulta prévia e assegurar a preservação socioambiental da Amazônia, antes que os danos se tornem irreversíveis.

Foto: Alberto Ruy/Ministério dos Transportes

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

Documentário “Raízes da Celebração”, do povo Mẽbêngôkre Xikrin, está no YouTube

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