Estruturas precárias, falta de profissionais, ausência de atendimento em saúde e violação de direitos básicos foram algumas das graves irregularidades constatadas pelo Ministério Público Federal (MPF) durante inspeções realizadas nesta última quinta-feira, 27 de março, em dois centros de acolhimento a pessoas em situação de rua em Belém. A ação, conduzida pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), teve como objetivo verificar o cumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que obriga estados e municípios a implementarem de forma efetiva a Política Nacional para a População em Situação de Rua.
As vistorias ocorreram na Casa Nazareno Tourinho, popularmente conhecida como Casa Rua, e no Centro Pop São Brás. Ambas as unidades apresentaram sinais alarmantes de negligência institucional, mostrando o abandono de uma das parcelas mais vulneráveis da população.
O primeiro local visitado foi a Casa Rua, vinculada à Secretaria Municipal de Saúde de Belém (Sesma). Embora o município a classifique como uma “unidade de saúde multiprofissional”, a equipe do MPF não encontrou nenhum tipo de atendimento médico no local. O espaço, que oferece café da manhã e almoço a cerca de 100 pessoas diariamente, funciona apenas como abrigo noturno, permitindo que usuários tomem banho e durmam, muitas vezes no chão ou sobre papelões por falta de colchonetes e ventilação.
A unidade dispõe de apenas dois funcionários, o que compromete completamente a assistência social e a segurança dos acolhidos. A falta de iluminação, infiltrações e alagamentos agravam o cenário. Equipamentos essenciais como ventiladores e colchões foram furtados e não foram repostos pelo município.
“Eu tive uma vivência de 11 anos na rua. Agora, estando do outro lado, como profissional da saúde, tento fazer por eles o que gostaria que tivessem feito por mim. A Casa Rua está totalmente precária, e a população está gritando por socorro”, desabafou Thayla Silva, assistente de Bem-estar Social da unidade.
No Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop) de São Brás, gerido pela Fundação Papa João XXIII (Funpapa), o MPF constatou infraestrutura insuficiente e serviços negligenciados. Banheiros sujos, mal conservados e sem portas, ausência de cadastradores sociais (impedindo o acesso dos usuários ao CadÚnico e a benefícios sociais), e falta de materiais básicos, como ventiladores e colchonetes, foram alguns dos problemas listados.
Usuários também denunciaram a ausência de cursos profissionalizantes, como de eletricista, padeiro e cabeleireiro, o que dificulta a reinserção no mercado de trabalho e perpetua o ciclo da exclusão social.
A inspeção faz parte da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 976, instaurada pelo STF em 2023, que obriga os entes federativos a oferecerem ações concretas e estruturadas de acolhimento, além de proibir práticas como remoções forçadas, apreensões de pertences e abordagens hostis.
O procurador da República e titular da PRDC no Pará, Sadi Machado, expressou preocupação com a falta de avanços, mesmo após inspeções anteriores: “O que nos surpreende é que, após sucessivas inspeções, a situação não esteja melhorando.”
Machado também alertou para o risco de ações higienistas ou de remoção forçada de pessoas em situação de rua em razão da realização da COP 30, que ocorrerá em novembro deste ano, em Belém. Segundo ele, é necessário garantir que os preparativos do evento não invisibilizem ou excluam ainda mais essa população.
“Nosso objetivo é fortalecer as nossas iniciativas para que o controle sobre o cumprimento dessa política nacional seja mais efetivo e, de fato, que os serviços prestados sejam adequados aos direitos dessa população.”
A inspeção aconteceu com a participação do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), representado pelo promotor de Justiça Firmino Matos, e das Defensorias Públicas do Estado (DPE) e da União (DPU), representadas pelos defensores Júlia Rezende e Marcos Teixeira.
Foto: Comunicação/MPF
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