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Neste fim de semana o município de São Domingos do Capim, que fica a 135 Km de Belém do Pará, vive as emoções do Festival de Surf na Pororoca, com a presença de atletas e turistas nacionais e internacionais para encarar o espetáculo de ondas de águas doces que podem atingir até quatro metros de altura e durar 40 minutos. A Pororoca de São Domingos do Capim não só é um espetáculo visual, mas também uma conexão única com a maior bacia hidrográfica do planeta, celebrando a força da natureza, a rica biodiversidade, a beleza e a grandiosidade dos rios na Amazônia.

O festival de São Domingos do Capim é esportivo, cultural e gastronômico: destaca a culinária e as tradições parauaras, oferece trilhas ecológicas, passeios de barco pelo rio Capim, competições de surf, futebol de areia, triatlo, canoagem e boxe, esta última modalidade denominada Pororoca Fight.

Em 1871, o botânico João Barbosa Rodrigues (1842-1909) foi comissionado pelo Governo Imperial para explorar alguns rios do vale amazônico, a fim de completar a parte das palmeiras da grandiosa “Flora Brasiliensis”, de Karl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868). Foi assim que ele explorou o rio Capim. Os resultados dessa viagem estão no Relatório “Exploração e estudo do valle do Amazonas: rio Capim”, no qual registrou minuciosa descrição geográfica e hidrográfica e também aspectos botânicos, zoológicos e de ocupação humana,  por meio de observações arqueológicas e etnográficas.  

São Domingos estava “no ponto mais lindo do rio Capim, sobre um terreno solido, que se eleva acima da preamar tres metros […] onde a pororoca se apresenta majestosa”. Havia nesta freguesia um comerciante brasileiro e uma escola pública para meninos, que não era muito frequentada pelas crianças da localidade. Ela ainda contava com uma nova igreja matriz, que estava em construção desde 1862 (a pororoca tinha destruído as duas primeiras). (Rodrigues, 1875e, p. 8).

Pois sobre a pororoca o naturalista elaborou estudo detalhado de suas causas no rio Capim. Procurou logo explicar a origem e o significado da palavra. Suas conclusões foram reproduzidas por José Coelho da Gama e Abreu, o Barão de Marajó (1832-1906), em “As regiões amazônicas: estudos chorograficos dos Estados do Gram Pará e Amazônas”: “Pororoca diz o sr. Barbosa Rodrigues que é inteiramente da lingoa tupy ou indigena formado ou derivado das duas poroc, rebentar, e oca, que significa casa, isto é, que chega a rebentar em casa, substituindo por euphonia, como é uso, o c por um r, ou como a lingoa é toda unomatopeica de poroc poroc, istoé rebentar seguidamente, que bem exprime o successivo rebentar das vagas, a que por abreviação e corruptella suprimiram o c final da primeira palavra, e substituíram o p da primeira syllaba da segunda ficando pororoc, d’onde pororoca. Sem entrar na discussão de qual é mais provavel das duas derivações, com o pouco que conheço da lingoa indigena, me parece mais natural a segunda, pois muitas palavras da lingoa indígena são formadas por imitação ou unomatopaicas […]” (Abreu, 1992, p. 361, grifos do autor).

Era comum entender a pororoca como um fenômeno que ocorria pelo embate das águas do rio Amazonas com as do oceano Atlântico. Mas Barbosa Rodrigues concluiu que a pororoca tem causas constantes que a motivam, dias e horas marcados para se apresentar. Percebeu que ocorria em todos os meses do ano, antes ou depois da lua nova ou da lua cheia, período em que sucedia a maré alta. No Capim, especificamente no equinócio de março, isto é, no tempo da enchente, era o momento em que se observava sua passagem mais vigorosa, quando as águas calmas do rio eram repentinamente elevadas pela grande massa d’água da maré, que subia pelo seu leito e encontrava um espaço apertado, impedindo seu alargamento, levando-a a alcançar grande velocidade’ (Rodrigues, 1875a, p. 15).

As águas do rio, rebatidas na foz, acabavam se misturando com as águas salgadas e iam até acima da ilha Pernambuco dos Frades, local da primeira formação da pororoca. Com a chegada da maré, o rio alterava sua direção, com águas seguindo para a margem direita, onde se chocava com o leito elevado e cheio de rochas e aí se formava uma grande onda, que, ao arrebentar, causava forte estrondo. Ao alcançar São Domingos, a massa de água se chocava contra as ribanceiras, dividindo-se para o Guamá e continuando no Capim, ficando após sua passagem os “[…] banzeiros dos naturaes […]”, ela “[…] vae sobre as margens formando ondas como as do mar”.

Aliás, Barbosa Rodrigues também afirmou que a palavra Capim surgiu da contração dos vocábulos indígenas caa (planta), pe (talo) e hy (fino), isto é, planta de talo fino. Os Tupinambá habitavam aquela região, em várias aldeias, como Caju, Montigura, Iguapé, Guamá e Capim.

Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, membro da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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