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Em decisão exemplar, o juiz Rafael da Silva Maia, da 2ª Vara Criminal de Belém, rejeitou a queixa-crime oferecida pelo ex-vereador Gervásio Morgado contra mim e Marcelo Marques, o Bacana, e o condenou ao pagamento das custas processuais e honorários de sucumbência, que arbitrou em R$2 mil em meu favor – que advoguei em causa própria e ofereci a Exceção da Verdade e documentos -, e em R$500 em favor do advogado do Bacana.  

Confiram aqui o a tramitação do processo nº 00001470220118140801 e leiam a íntegra da sentença.

Foi feita JUSTIÇA na Vara Criminal! 

A equivocada decisão Juizado Especial Cível do Idoso, mantida pela Turma Recursal, já foi objeto de Embargos de Declaração para fins de Prequestionamento. Se não for corrigida a sentença, levarei o caso ao STF e ao CNJ. Não desistirei de lutar pelo reconhecimento de meu direito constitucional de jornalista, de publicar a VERDADE! 

Leiam a íntegra da sentença:

“Trata-se de
Ação Penal Privada proposta pelo GERVÁSIO DA CUNHA MORGADO contra MARIA FRANSSINETE DE SOUZA FLORENZANO e MARCELO
FERREIRA MARQUES DA CRUZ, devidamente qualificados na inicial, tendo sido imputada aos réus a conduta tipificada nos arts. 138, 139 e
140 do Código Penal.
2. Diz a exordial que o querelante exercia mandato de vereador à época do fato e que no dia 18 de fevereiro de 2011
a querelada MARIA FRANSSINETE publicou em seu blog denominado “Blog da Franssinete Florenzano” tópico com os seguintes dizeres: “Ele se lixa! `Quem mandou não estudar?” (Vereador Gervásio Morgado, em resposta ao questionamento sobre os pedreiros que arriscam as
vidas nas construções, na sessão especial que discutiu o Plano Diretor Urbano de Belém). Postado por Franssinete Florenzano às 07:45

 3.
Relata o querelante que o segundo querelado, MARCELO FERREIRA MARQUES também publicou em seu blog denominado “Blog do Bacana” (Marcelo Marques) postagem com idêntico conteúdo, fazendo menção ao blog da primeira querelada. Reporta que em seguida surgiram vários
comentários que passaram a ser publicados nos referidos sites que também teria propalado ofensas a honra objetiva e subjetiva do querelante.
Alega que todos os comentários publicados em blog passam pela aprovação do mediador, que se responsabiliza pela publicação e mediação
dos comentários. Sustenta que a informação veiculada pelos querelados é falsa, conforme Notas Taquigráficas trazidas aos autos. Diz ainda
que o querelante é pessoa de conduta ilibada e que as manifestações ofensivas chegaram a seus colegas de trabalho e família, gerando no
autor da ação grande mal estar. Afirma também que a querelada MARIA FRANSSINETE em 20 de julho de 2011 novamente se manifestou
ofensivamente em desfavor do querelante, afirmando que este estava “sendo executado por não pagar IPTU, perante a 5ª Vara da Fazenda
de Belém”. Sustenta que os querelados praticaram o crime de calúnia, cuja materialidade está demonstrada no fato de a acusação feita pelos
querelados ser falsa, já que não afirmou o que consta do blog. Alega que também praticaram os demandados os delitos de difamação e injúria. 

4. O feito se originou perante a Vara de Juizado Cível e Criminal do Idoso. Em 15 de março de 2012 foi realizada audiência preliminar, ocasião
em que a querelada MARIA FRANSSINETE não aceitou compor civilmente os danos nem a transação penal, oferecendo Exceção da Verdade.
Na Exceção da Verdade, sustentou a querelada ter provas de que o querelante disse as palavras consideradas inverídicas na inicial. Sustentou
ainda a inépcia da exordial por não descrever o dolo, a ilegitimidade passiva, já que o seu blog não permite edição de comentários. Afirmou que
a conduta narrada não é típica nem antijurídica, já que apenas se limitou ao direito de informar, pois as ações pelas quais o querelente se vê
processado são de domínio público. Suscitou o reconhecimento da excludente de ilicitude do art. 23, III do Código Penal, pois a conduta imputada
corresponde ao exercício regular de direito como jornalista. Disse que as notas taquigráficas juntadas não servem de prova, já que a teor do art.
155, § 1º do Regimento Interno da Câmara Municipal de Belém todos os pronunciamentos e debates são revisados pelos próprios autores, que
têm poder para retirar das notas os termos que desejarem. Alegou ainda que a conduta do querelante configura o crime de denunciação caluniosa
e colacionou jurisprudência sobre o tema da liberdade de imprensa. Juntou documentos de fls. 127 a 288. 

5. Em decisão que consta nas fls. 290
a 293, declinou-se da competência do Juizado Especial Criminal, em razão do concurso material de crimes, cuja somatória das penas máximas
ultrapassa o limite da Lei 9.099/95 para serem definidos como de menor potencial ofensivo. 

6. O feito foi remetido à 11ª Vara Penal em 03.05.2012,
sendo que a magistrada que então respondia pela unidade judicial declarou-se suspeita para atuar no feito. 

7. Remetido a esta 2ª Vara Penal,
o processo foi encaminhado ao Ministério Público, que em 23.01.2013 manifestou-se pelo arquivamento da queixa-crime, por entender que não
está presente o elemento subjetivo, qual seja, a vontade livre de os querelados se aproveitarem dos comentários em seus blogs como forma de
atingir a honra do querelante. Disse ainda não existir nos autos documento que dê conta da materialidade do delito. 

8.Em 31.01.2013 o querelante
peticionou requerendo a juntada de sentença cível da 1ª Vara do Juizado Especial Cível e Criminal do Idoso em desfavor da querelada, bem
como de queixa-crime oferecida perante a 1ª Vara Criminal de Belém, além de outros documentos. É o sucinto relatório. Passo a decidir. 

9. Tenho
pela rejeição da queixa-crime. Conforme se verifica da redação do art. 395 do Código de Processo Penal, as causas de rejeição da denúncia ou
queixa-crime são essas: quando for manifestamente inepta; quando faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal;
ou ainda quando faltar justa causa para o exercício da ação penal. 

10. Os requisitos da exordial acusatória (inépcia da inicial) remetem-nos ao art.
41 do Código de Process o Penal, tema este que não será explorado nesta decisão por não ser a inicial inepta. Quanto ao significado acerca do
que seriam os pressupostos processuais e condições da ação, dentro da teoria do processo penal, tem se debruçado parte da doutrina em tentar
importar conteúdos do processo civil. Sobretudo no que se refere às condições da ação, a tríade de Liebman “possibilidade jurídica do pedido,
interesse de agir e legitimidade ad causam” – devidamente adotada no Código Processual Civil pátrio, sofreu verdadeira mutilação hermenêutica
para caber dentro do formato diverso que é o processo penal. Esta “adaptação” exige do intérprete um exercício árduo, modernamente superado,
ensejando uma importante revisão. Para Rogerio Lauria Tucci as condições da ação deveriam ser repensadas à luz do processo penal, por ser
uma construção frágil, já que facilmente as referidas condições se confundem com o mérito. (Teoria do Direito Pro cessual Penal. São Paulo: RT,
2002). 

11. Aury Lopes Jr., debruçando-se sobre esta revisão hermenêutica acerca das condições da ação no direito processual penal, extrai, a
partir do revogado art. 43 do Código de Processo Penal até a nova redação do art. 395, que seriam as seguintes: a) prática de fato aparentemente
criminoso; b) punibilidade concreta; c) legitimidade de parte; d) justa causa. Em apertada síntese, a punibilidade concreta diz respeito à extinção
da punibilidade, enquanto a legitimidade da parte decorre da titularidade da ação penal (Ministério Público ou ofendido) e da autoria do injusto
típico, a quem deve ser dirigida a imputação (réu). Quanto à justa causa, diz respeito a existência de indícios de autoria e materialidade como
também ao controle processual do caráter fragmentário da intervenção penal (Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2012). 

12. Merece
mais atenção a primeira condição elencada no item acima, qual seja, a prática de fato aparentemente criminoso ou fumus comissi delicti. Segundo
o renomado mestre gaúcho, na obra já mencionada, define-se esta condição como “a exigência de que a acusação demonstre a verossimilhança
da tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade” que “também decorre da exigência constitucional da Proporcionalidade, vista como proibição do
excesso de intervenção, em que o custo social e jurídico do processo penal fazem com que ele não se contente com a mera tipicidade se for
manifesta a presença de uma causa de exclusão da ilicitude ou culpabilidade”. 

13. Após definirmos o conceito e conteúdo das condições da
ação, passando a análise do caso concreto, verifica-se que a conduta imputada como criminosa aos querelados foi a de atribuir ao querelante a
seguinte frase: “quem mandou não estudar?”, que teria sido propalada pelo querelante durante sessão da Câmara Legislativa de Belém, em que
se discutia a situação de trabalhadores da construção civil da capital. 

14. A publicação da postagem no blog da querelada Maria Franssinete foi
seguida de comentários de internautas anônimos, que teriam, com a chancela da querelada, incorrido em crimes contra a honra do querelante.
A conduta do segundo querelado, MARCELO FERREIRA MARQUES foi a de ter também postado em seu blog a mencionada frase, indicando
como referência o blog da primeira querelada. 

15. O crime de calúnia pressupõe a imputação falsa a outrem de fato definido como crime. Ora,
basta uma análise superficial para se verificar que o fato atribuído ao querelante pela primeira querelada e ao qual foi dada publicidade pelo
segundo querelado não é crime. Propalar em um plenário a frase “quem mandou não estudar”, não é conduta típica, antijurídica e culpável, não
se amolda a nenhum tipo penal do ordenamento brasileiro. Nesse ponto, confundiu-se o nobre advogado subscritor da queixa-crime, ao dizer
que a materialidade do delito de calúnia “está concentrada no fato de que as acusações feitas pelos querelados são falsas” (fl. 56). A suposta
falsidade da informação divulgada pelos querelados não configura, por si só, o crime de calúnia, já que a conduta imputada deve constituir crime,
como já afirmado.

16. Também em relação ao crime de injúria resta patente a inadequação típica. A conduta narrada na exordial, ou seja, a
frase atribuída ao suposto ofendido, não infligiu ao querelante nenhum vício ou defeito moral, intelectual ou físico. A injúria, como se sabe, é a
atribuição de uma qualidade negativa, que ofende a dignidade e o decoro alheio. Não é, por óbvio, o caso da conduta narrada na queixa-crime
e imputada aos querelados. 

17. Merece maior atenção o delito de difamação. Como se sabe, o crime de difamação é descrito no Código Penal
como a imputação de fato ofensivo à reputação. Aqui, ao contrário da calúnia, não se exige que o fato imputado seja crime. Sequer se exige
que o fato seja verdadeiro ou falso, já que a prova de sua autenticidade não é exigida pelo tipo penal, sendo que somente se admite a exceção
da verdade nos casos em que o ofendido é servidor público (art. 139, parágrafo único do Código Penal). 

18. Ao comentar o mencionado delito,
mais precisamente ao escrever sobre o tipo objetivo, Luiz Regis Prado leciona que “fato desonroso é aquele capaz de inspirar em outrem um
sentimento de reprovação e desprezo para com a vítima, e afetar, desse modo, sua respeitabilidade no meio social”. (Comentários ao Código
Penal. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2012). 

19. Fazendo uma análise mais detida acerca da frase atribuída ao querelante e que deu
origem à presente ação penal, vejo que se trata de um jargão popular, uma manifestação de pensamento que é bastante comum no cotidiano da
sociedade brasileira, e que revela a preocupação do seu emitente junto ao emissor. É o caso, por exemplo, do pai que censura o filho após ficar de
recuperação em uma disciplina ou do professor que chama a atenção de seu aluno diante da nota baixa e insuficiente. Trata-se de frase comum,
do dia-a-dia, que caso de fato tenha sido dita pelo querelante (recordando-se que a falsidade do fato atribuído não faz parte do tipo penal) a
quando do momento acalorado das discussões sobre direitos dos trabalhadores, revelam apenas que o ofendido é fruto da cultura de seu tempo,
de uma sociedade que coloca sempre mais em relevo a condição daqueles que alcançam sucesso na educação formal, em detrimento do ensino
técnico e do trabalho manual.

20. Não vejo como pode ser considerada uma ofensa a frase atribuída ao querelante. Na verdade, o que se verifica
dos autos é a existência de uma contenda ideológica entre o querelante e principalmente a querelada MARIA FRANSSINETE, dado que esta,
por ser jornalista e possuir um blog através do qual divulga informações também do noticiário político deste Estado, já se manifestou contrária à
atuação legislativa do querelante. 

21. Neste ponto, deve ser destacado que o trabalho da imprensa em um regime democrático e em um Estado
de Direito, é resguardado pela ampla liberdade de imprensa, já que protege um interesse público. Com a popularização da internet, novos meios
de divulgação e comunicação se tornaram acessíveis ao cidadão, trazendo uma alternativa aos veículos tradicionais. Nesse contexto, blogs como
o da querelada MARIA FRANSSINETE fazem parte de um tipo de jornalismo alternativo, (e também em certo grau independente) que é capaz
de alcançar e divulgar fatos muitas vezes negligenciados pela chamada grande imprensa, e que assumiram papel fundamental no contexto da
imprensa atual, no Brasil e no mundo. 

22. Ao mesmo tempo, pelo teor muitas vezes denunciativo e de enfrentamento às situações de corrupção,
ilegalidade e imoralidade das postagens, os jornalistas “blogueiros” têm sido vítimas de processos, seja na esfera cível seja na criminal, para
tentarem se ver calados ou intimidados em seu mister. Não à toa, recentemente, blogueiros de todo o Brasil decidiram criar um fundo para socorrer
financeiramente colegas que sejam alvo de processos judiciais, ameaças ou violência em todo o Brasil, conforme noticiou o jornalista Lúcio Flavio
Pinto em uma das edições de seu Jornal Pessoal. 

23. Por fim, destaco que, na atualidade, o Direito Penal se rege pelo princípio da intervenção
mínima, que aqui vai definido pela lição de Cezar Roberto Bittencourt, segundo o qual “O princípio da intervenção mínima, também conhecido
como ultima racio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir
meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanções ou outros meios de controle social revelarem-se
suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização será inadequada e desnecessária. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada
forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais. Por isso, o Direito Penal deve ser
a ultima racio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do direito revelarem-se incapazes de dar tutela devida aos bens relevantes
na vida do indivíduo e da própria sociedade.” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Lições de Direito Penal, parte geral. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1995.) (Grifei.)

24. Ora, conforme demonstrado às fls. 309 e seguintes dos autos, o querelante já demandou civilmente a querelada,
logrando êxito com a condenação ao pagamento de indenização por danos morais pelos mesmos posts que deram origem à presente demanda
criminal (fl. 309). Verifica-se ainda que o juízo cível determinou a retirada das postagens consideradas ofensivas ao querelante. Vê-se, assim,
(sem fazer qualquer juízo de mérito sobre a decisão mencionada) que a tutela do direito à honra do querelante já foi alcançada por outro campo
do direito, não havendo a necessidade da tutela penal. 

25. Não por outro motivo, o próprio membro do parquet, a quem a Constituição atribuiu a
prerrogativa da ação penal, reconheceu a ausência de dolo, pugnando pelo arquivamento do presente feito. Apesar da titularidade do ofendido
para oferecer queixa-crime por conta dos delitos ofensivos à honra, não se pode esquecer que a ação é sempre um direito potestativo e público,
já que o Estado assumiu privativamente esta função, apenas a delegando em alguns casos ao particular.

26. Dessa forma, inexistindo uma das
condições da ação penal, não há outra solução que não a rejeição da peça inaugural. 

27. Isto posto, REJEITO a queixa-crime oferecida por GERVÁSIO DA CUNHA MORGADO em face de MARIA FRANSSINETE DE SOUZA FLORENZANO e MARCELO FERREIRA MARQUES DA
CRUZ, pela imputação capitulada nos arts. 138, 139 e 140 do Código Penal, com fundamento no art. 395, II do Código de Processo Penal. 

28.
Condeno o querelante no pagamento das custas processuais e honorários de sucumbência, que arbitro em R$2.000,00 (dois mil reais) em favor
da querelada MARIA FRANSSINETE que advogou em causa própria e ofereceu Exceção da Verdade e documentos, e em R$500,00 em favor do
advogado do querelado MARCELO FERREIRA MARQUES DA CRUZ, forte no art. 20, § 4º do CPC. Publique-se. Intimem-se. Após, arquive-se.
Belém, 20 de maio de 2014 Rafael da Silva Maia Juiz Substituto Respondendo pela 2ª VPJS Respondendo pela 9ª VPJS Auxiliando a 3ª VPJS”
Franssinete Florenzano
Jornalista e advogada, presidente da Academia Paraense de Jornalismo, membro da Academia Paraense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, editora geral do portal Uruá-Tapera e consultora da Alepa. Filiada ao Sinjor Pará, à Fenaj e à Fij.

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