Publicado em: 25 de maio de 2025
Tudo era muito engraçado em nossas vidas, pois em casa nunca tínhamos menos do que três pessoas todos os dias para almoçar. Elas apareciam como uma mágica, pois nunca entendíamos muito bem aquela dinâmica. Minha mãe, sempre solícita, tinha que fazer milagre com a comida, para dividir com os quatro filhos, a tia Noca, meus pais e duas auxiliares. Minha mãe sempre recebia com amor todos os que em casa chegavam e meu pai nem se fala. Chegavam de surpresa em casa, todos os dias, mais ou menos de três a cinco pessoas. Às vezes amigos, ou estranhos que surgiam do nada para o almoço. Era uma conta muito difícil de fechar, mas sempre a mamãe dava um jeitinho. Nessa época, não havia ninguém de fora morando em nossa casa, já que isso era uma rotina.
Meu pai, com a sua bondade imensa, colocou na cabeça que iria recuperar o Genivaldo, filho de uma vizinha nossa. Ele, um rapaz de 20 anos de idade, cara fechada que dava medo. Morava perto de casa e sempre aprontava com a prática de alguns furtos. Genivaldo tinha um metro e setenta de altura, moreno, cabelo crespo, olhar traiçoeiro, nunca olhava em nossos olhos. Era um menino acostumado a mexer na casa de todos ali de nossa vizinhança. Papai, em uma certa manhã, quando estávamos tomando o café, teria dito para mamãe: Myra, tive uma ideia, pensei em trazer o Genivaldo para morar conosco. Pensei sobre isso, porque pretendo recuperá-lo. Tentarei regularizar a sua vida e irei inscrevê-lo no Exército, como recruta. Tenho um amigo lá e falarei com ele, é o comandante do quartel.
Mamãe a princípio ficou apreensiva, apesar de seu coração bondoso, e disse: “Leonam, temos duas filhas pequenas”. Mas papai, fixado na ideia, partiu para sua empreitada. Assim, chamou o rapaz e disse-lhe: olha, Genivaldo, eu vou te recuperar, tu tens que deixar dessa vida, meu filho, essa de viver mexendo nas coisas dos outros, precisas sair dessa vida. Isso não é uma vida digna, rapaz, tens que ser um homem de bem. Genivaldo olhou espantado para o papai, como se não acreditasse na proposta do dele. Mas aceitou imediatamente. Comprometeu-se com o papai que iria regenerar-se e passou a morar conosco.
Papai começou sua empreitada na retirada dos documentos de Genivaldo. Empenhado, corria com a firme pretensão de engajá-lo no Exercito, como recruta. Assim se passaram três longos meses e Genivaldo a morar conosco, mamãe com medo de que ele pudesse mexer comigo, com a Guiomar e as nossas duas secretárias. Até aquela data, estava tudo tranquilo, o Genivaldo ajudava minha mãe nas tarefas do dia, enquanto papai tocava com a papelada dele para regularizar sua vida. Papai, todos os dias, chamava o Genivaldo para conversar e lhe dizia: Genivaldo, vou limpar teu nome, rapaz, tens que ser um homem de bem, vais para o Exercito e serás um homem que trabalharás pela Pátria. O rapaz o olhava intensamente e parecia não demonstrar muita firmeza na absorção daquelas palavras e no empenho do meu pai, pessoa tão pura de sentimentos como nunca vi igual.
Certa ocasião, já se passara mais de quatro meses, quando papai chamou Genivaldo e lhe disse: meu filho, hoje consegui pegar teus últimos documentos, na segunda feira te apresentarei para o general do Exército e começarás depois de amanhã a trabalhar. Meu pai, por demais satisfeito com sua ideia que iria colocar em prática. Havia chegado a esperada sexta feira, e papai feliz em realizar aquela tarefa a favor do rapaz. Geralmente, costumávamos viajar para Mosqueiro, balneário de praias maravilhosas aqui no Pará. Pretendíamos passar o final de semana ali, conhecido como a Ilha do Amor. O clima naquele lugar é maravilhoso e as praias são de ondas de água doce. Assim, acertamos o passeio e fomos eu, mamãe, papai e meus três irmãos: Carlyle, Guiomar e Júnior, o caçula, passar o sábado e o domingo na bucólica Mosqueiro. Em nossa casa em Belém, havia ficado a nossa tia Noca, uma das secretarias da mamãe, mais o Genivaldo.
Para nosso espanto, no domingo bem cedinho tocou o telefone às 6 horas da manhã e, para surpresa nossa, a tia Noca, uma linda, que ajudou em nossa criação, era tia do papai, com a voz aflita, havia ligado para dizer-nos o que teria ocorrido. Quando o papai pegou o telefone das mãos da mamãe, pôde ouvir dela: “Nanam (como o chamava), filho, quero te participar que o Genivaldo, furtou a nossa casa e levou vários pertences de vocês. Hoje quando acordamos estava tudo aberto e tudo no chão. Papai ficou por alguns minutos em silêncio e sua expressão era de grande decepção, e não parava de repetir: puxa, na segunda feira ele iria começar no Exército como recruta. Mamãe logo disse-lhe: eu não te disse Leonam, que ele não tinha recuperação?
Depois dessa notícia bombástica, minha mãe arrumou a bagagem e voltamos para Belém, na mesma hora. Quando chegamos em casa, verificamos que muitos objetos teriam sido furtados, inclusive os vestidos de noivas de duas sobrinhas de minha mãe, pois como era uma costureira de mão cheia iria confeccioná-los. Esse acontecimento deixou minha mãe muito triste e um pouco brava. Então, por volta das 18 horas do domingo, o papai recebeu um telefonema do delegado de Icoaraci, um distrito de Belém, o qual lhe comunicava que havia realizado a prisão do Genivaldo. Fomos até a delegacia de Icoaraci, eu, mamãe e papai, e lá estava o Genivaldo. Quando chegamos na cela onde ele se encontrava, de cabeça baixa, pedia desculpas para os meus pais, por detrás das grades. Minha mãe deu uma bronca nele, mas logo ficou com pena, para não perder a sua maior característica, que era a de um grande coração.
Meu pai, apesar de ter sido lesado algumas vezes depois disso, ainda advogou para ele quando se metia em confusão por furtos, já que o maior mal dele eram as drogas. Hoje entendo que os furtos eram para sustentar o vício, e ele era mais uma vítima dessa sociedade egoísta em que vivemos. Anos depois, soubemos através de seus familiares que ele havia sido morto em um confronto com a polícia. Com isso, concluo mais um ato de meus pais, dentre tantas histórias de caridade deles, fatos que servem para confirmar a pregação do evangelho de que fora da caridade não pode haver salvação. Meus pais foram um grande exemplo de vida para todos nós, que deixaram gravados em nossas memórias episódios que fizeram com que nos tornássemos melhores como seres humanos.
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