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De hoje a uma semana comemoraremos mais um Dia dos Pais, esse evento festivo criado no Brasil em 1953 para impulsionar as vendas do comércio no início do segundo semestre. Naquela oportunidade escolheu-se o dia 16 de agosto em homenagem a São Joaquim, pai da Virgem Maria e, portanto, avô de Jesus Cristo, mas com o passar do tempo acabou-se consagrando o segundo domingo do mês, seguindo o exemplo do Dia das Mães, já celebrado no segundo domingo de maio.

Não lembro onde li, certa feita, que pai é um sujeito que, não importa que estatura tenha, o filho deve olhar sempre de baixo pra cima. Achei bonito e, sobretudo, verdadeiro. Lembrou-me do pai que tive, fez-me olhar para o alto na ânsia de vê-lo uma vez mais, passados já quase cinco anos do dia em que ele partiu para a dimensão etérea da existência, o “país desconhecido de que nenhum viajante jamais regressou”, como proclamou Hamlet no célebre monólogo criado por Shakespeare.

Muito deixei de lhe dizer, muito deixei de estar com ele, ignorante e ocupado com veleidades que tardei a reconhecer como tal. Assim é a vida, um acumular de remorsos que a bondade de Deus nos permite amenizar, interpretando-os como experiências inevitáveis, fatos incontestes ou realidades inescapáveis. Hoje, contudo, por mais paradoxal que pareça, eu o sinto mais próximo do que nunca. Hoje eu o vejo em mim, diariamente, e é isto que desejo a todos no Dia dos Pais que se aproxima.

Desejo a mim mesmo e àqueles que, como eu, já não têm seus pais por perto, que aprendamos a interpretar a ausência como uma forma diferente de presença, certos de que nesta ausência não cabe tudo o que nossos bons pais construíram e nos deixaram como legado. Espero que consigamos compreender que, perto do que foram e significaram nossos pais, a falta física que nos dói no peito é um nada absoluto; e que, diante do conjunto de seus valores éticos e morais, considerá-los mortos é atribuir à morte uma relevância que ela definitivamente não possui.

Nossos pais seguem vivos, presentes em nossos gestos, em nossas fortalezas pessoais; presentes na forma como criamos nossos filhos e no modo como nos deliciaremos com nossos netos. Seguem vivos e presentes nas nossas alegrias, nas nossas angústias e em como as superamos. Seguem, enfim, enraizados em nós, e por isso mesmo podem e devem participar dos festejos dominicais do próximo 13 de agosto, honrosamente sentados à cabeceira das mesas ao redor das quais estaremos sempre reunidos, ainda que isso seja onírico, ainda que seja a mesa poetizada por Sérgio Bittencourt para lembrar do pai Jacob do Bandolim, aquela em que “está faltando ele, e a saudade dele está doendo em mim.”

Doer, aliás, consta do contrato, dele faz parte integrante como se nele estivesse transcrito, afinal toda saudade dói, incomoda e maltrata. Em contrapartida, toda saudade contém beleza e exala amor. O ponto de equilíbrio consiste exatamente em harmonizar o que machuca com o que encanta, como fez a poetisa Cássia Janeiro num lindo poema chamado “Meu Pai”, incluído no livro “A pérola e a ostra”, ao qual cheguei por sugestão encontrada numa das maravilhosas crônicas de Rubem Alves.

Meu pai,

Fui amputada pela

tua ausência.

Deixei meu chão em teu túmulo.

Com quem falar em silêncio?

Quem ouvirá a voz calada?

Em veias transparentes,

Uma dor inabortável

Punge.

Eu te ofereço amor

Em versos,

Esperando que as palavras

Destruam a tua morte e

Me tragam vida.

Meu pai,

Eu nunca disse tudo que podia.

E hoje, na tua ausência,

Palavras são apenas uma

Oração silenciosa.

De minha parte, acordarei cedo no domingo vindouro, e como de costume sentarei na varanda para esperar que todos acordem. Ligarei a vitrola e pedirei ao João Nogueira que me ensine, uma vez mais, que “a vida é mesmo uma missão, a morte é uma ilusão, só sabe quem viveu, pois quando o espelho é bom, ninguém jamais morreu.”

Depois respirarei fundo, mandarei um beijo aos céus e esticarei as costas para alongar os músculos. Quando Alana e Artur despertarem será novamente a minha vez de ser pai, e o domingo será todo deles. Espero ter aprendido um pouco do muito que Seu Albano me ensinou. Quem sabe dou a sorte de ainda ter o João ecoando pela casa, a cantar que “sempre que um filho meu me dá um beijo sei que o amor do meu pai não se perdeu; só de olhar seu olhar sei seu desejo, assim como meu pai sabia o meu…”

Feliz Dia dos Pais a todos!

Albano Martins
Albano Henriques Martins Júnior é paraense, nascido em Belém em 1971. Advogado cursando especialização em Literatura na PUC/RS (EAD). Guarda de Nossa Senhora, foi membro da Diretoria da Festa de Nazaré entre 2014 e 2023, Coordenador do Círio no biênio 2020/2021, os anos da pandemia. Mantém no Instagram uma página recente sobre livros (ler_e_lembrar).

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