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É claro que conhecia Marília Mendonça. Frequente em programas de tv e tocando em todos os lugares, seria difícil não saber. Fiquei chocado com a notícia de sua morte. Tão jovem, no auge do sucesso e deixando um filho que nem completou dois anos. A repercussão de seu falecimento também me causou espanto. Sabia de seu sucesso, mas não tanto. Claro que o emocional das pessoas fica abalado com a morte de alguém tão jovem, querido, em plena carreira. Em tempo de mídias sociais, também chamou a atenção as reações contra pessoas que comentaram nunca ter ouvido falar nela. Hoje a internet reflete tudo. Um imenso mural onde todos se pronunciam. Permitam-me respeitar a opinião de todos, a respeito da qualidade de sua música, mas não gosto. De nada. Acho importante ter conseguido se impor no meio sertanejo, com uma linguagem feminina. A tal da sofrência. Para mim, sofrer é fazer compras em super mercados  enquanto as caixas de som guincham as vozes em terças das músicas. Insuportável. Desculpem.

Quando comecei a trabalhar em rádio, logo percebi a existência de um outro mundo que não conhecia. Havia os artistas das grandes gravadoras e na época, a explosão da mpb com Caetano, Gil, Bethania, Gal, Chico, Milton e muitos mais. Em contrapartida, nas rádios AM, também tocavam artistas como Edna Fagundes por exemplo, artistas que gravavam por selos menores em distribuição regional. Muitos dos apresentadores à noite rodavam as festas suburbanas e traziam pedidos do que o povão queria ouvir. A mpb assistiu ao êxito do rock brasileiro nos anos 80 e na década seguinte, produtores tomaram as rédeas. Gente como Sullivan e Massadas chamaram cantores populares e os municiaram de música, produção e apoio das grandes gravadoras. Os baianos também, com sua ótima plataforma do axé arrombaram a festa até se auto devorarem na luta por mercado. Então os produtores chamaram duplas sertanejas, que fora da mídia, lotavam shows no interior. As condições econômicas propiciaram consumo de música e aos poucos, ultrapassando a turma de São Paulo, mineiros e principalmente goianos, onde uma dupla surge a cada esquina, tomaram conta. Aqui no Pará, o mercado brega também explodiu, primeiro com artistas sem gravadoras, produzindo fitas cassete e cds, com estúdios utilizando novas tecnologias e atendendo aos pedidos. Eu passava na rua, camelôs tocando brega e as pessoas andando e murmurando as canções. Havia até cantores cujas músicas eram reproduzidas com rotação alterada, suas vozes ficando “gasguitas”, para o gosto dos ouvintes. Como pode? Casas noturnas chiques, na porta carrões importados e todos cantando, felizes, músicas de sofrência. Há uma razão? Sim.

A música brasileira era bem dor de cotovelo quando a bossa nova chegou com algo mais hedonista. Letras de gente da classe média. Depois vieram os Chicos e Caetanos, revolucionando tudo. As melodias lindas, as letras com imagens poéticas maravilhosas. Onde estava o povão nisso? O rock teve outra direção poética e melódica, mas ainda assim, excelentes. Quando ao mesmo tempo houve consumo para o povo no Brasil, a Educação já estava péssima. Como ainda está. Se o povão já era mal educado, a classe média também ficou. Os livros foram esquecidos, os debates sobre assuntos importantes, a Cultura em geral foi esquecida e o que temos, hoje são gerações perdidas no âmbito do conhecimento. Temos excelentes médicos, engenheiros, advogados, em suas ocupações profissionais, mercê de talento e esforço, mas que não conseguem escrever dez palavras sem cometer erro, dificuldade para argumentar questões do dia a dia, um país com problemas imensos. Tinha de resultar na música, por exemplo. As músicas do estilo sertanejo, funk e outros são de uma primariedade absurda. Melodias que chamo de “atirei o pau no gato” e letras com rimas tolas e fúteis. E no entanto, as pessoas as cantam felizes o mais alto possível. Não estão erradas. As pessoas vivem o mundo delas. Não é que eu seja um velho ultrapassado. Tive algum sucesso profissional exatamente por estar sempre curioso pelo novo que se apresentava. Hoje os artistas antigos quando gravam é para gente mais velha, fora Caetano que para mostrar-se ainda atuante, declara ser fã de Marília. Não é que eu esteja ultrapassado. Digamos que pertenço a outra turma e quando a outra mostra-se tão maior e poderosa, quase uma unanimidade, recolho-me ao meu tugúrio (a benção Antonio Contente) e fico lá escutando minhas velharias. Os meus sentimentos pela morte de Marília. Sinceros. Mas ouvir as vozes chorosas de seus companheiros de profissão é algo insuportável.

Lamento. Que pena o Brasil!

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte.

Viajar pelos rios do Pará é caro, desconfortável e inseguro

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