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Demorei a ter vontade de escrever alguma coisa. Toda essa tensão política no Brasil e uma viagem a trabalho me levaram a uma ressaca, que durou um bom tempo. Agora que o dilúvio passou, queria contar um pouco dos dias que passei na França, trabalhando sobre meu último livro, “BelHell”, que lá saiu com o título “Casino Amazonie”. Sim, ele foi lançado em plena pandemia e não pude participar dos raros encontros e festivais de literatura que tanto acontecem por lá. Participei do importante “Quais de Polar”, que acontece em Lyon através de uma live. Finalmente, no começo de outubro, logo após o primeiro turno eleitoral, parti. Há uma alegria especial quando viajo na condição de autor para falar dos meus trabalhos em um país como a França, um dos mais importantes mercados editoriais do mundo. Sou um escritor paraense, antes de brasileiro. Escrevo sobre minha cidade, minha terra, meu chão. Por pura timidez, sinto algum constrangimento quando chego em outro país e percebo que todos que se aproximam não somente conhecem todos os meus livros, mas assistiram às entrevistas que estão no You Tube, sabem até o nome de Maria Clara, minha Golden. Há uma diferença de tratamento pois lá, o autor é um artista, envolto em respeito e admiração. Cheguei em Paris, dormi em um hotel e no dia seguinte, de TGV, parti para Toulouse, distante quatro horas. Já havia estado lá há uns cinco ou seis anos. Os organizadores da Feira de Livros Policiais me chamaram. Na primeira noite, jantar. Ninguém falava português. E você se vira. Um escritor bem animado, morando em Lisboa, declara que fala francês, italiano, espanhol e um pouco de português. Só não falo inglês porque é “língua de bárbaros”! Ficamos em longas mesas com nossos livros à nossa frente, assinando e conversando com o público. A dona de uma livraria em Neully, quarenta minutos de Toulouse, me leva para falar para seus clientes. João Cristof, pernambucano há quinze anos na França, marceneiro de profissão, me ajuda. No dia seguinte, mais assinaturas e um teatro de arena onde, ao lado de um escritor português e uma alemã, falamos para umas duzentas pessoas. Há mais um dia de trabalho e retorno para Paris onde chego à meia noite. Mais um hotel e no dia seguinte, reúno com Estelle e Clare, minhas editoras, mais Diniz Galhos, meu ótimo tradutor. Gare de Lyon e parto mais uma vez. Agora há o festival Belles Latines e a professora Vânia me recebe e me leva para a École Central, escola de Engenharia, onde falo para turmas de português, que trabalham sobre meu livro. Depois vou de trem a Saint Etienne onde falo para mais estudantes. Durmo na Casa das Artes, hotel da universidade, excelente. Volto a Lyon e agora estou na Universidade Lumière, homenagem aos criadores do cinema, Lyonaises. São grupos grandes de alunos e professores. À noite, janto com espanhol, mexicano, chileno e franceses. Me preparo pois já nem sei se esqueci algo. Mas é que vamos ao Museu de Beaux Arts, lindíssimo, enorme, onde ao lado do chileno Boris Quercia e do argentino Eduardo Varela, além de um casal onde ela canta e ele toca piano, maravilhosos, falamos para umas trezentas pessoas. Professores, leitores, amigos como Francis, pessoas maravilhosas. Misturo francês, espanhol e português. Depois há um bota-fora no apartamento de Januário, o dirigente do Belle Latinas. E volto para o caldeirão Brasil tensionado ao máximo com as eleições. Olhava para a tela do computador e não tinha vontade de nada. Ressaca. Mas falo no Centro de Estudos Jurídicos para uma turma super interessada e agradável sobre outro livro, “Pssica”. Foi ótimo. Fiz ainda uma live para o SESC SP com o amigo Schnneider, mais Ian e Patrícia Melo. Ufa. Muito cansado de falar dos meus pagos e minha literatura, mas também andando nas nuvens. Sou um escritor paraense, acima de tudo. Quando estou lá, penso aqui. Desta vez, foi o primeiro Círio de Nazaré de minha vida que não assisti. Cinco horas além, recebendo mensagens na internet e bem melancólico. Como se ter ido fosse necessário para voltar.

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte.

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