Publicado em: 30 de março de 2025
No final do século 20, nós tínhamos um imaginário coletivo compartilhado sobre como seria o século 21. Esse imaginário resultava de nossa experiência comum no ambiente da cultura literária, científica e da cultura cinematográfica. Antes mesmo da revolução na comunicação, promovida pela internet e pelo telefone celular, a segunda metade do século 20 já experimentava uma projeção comum sobre a virada do século.
Um dos elementos ficcionais projetados por esse imaginário coletivo era o carro voador. A revolução automobilística ocorrida na virada do século 20 ganhava este elemento, no final do século. A cultura de massa incrementava o roteiro de seus produtos de consumo com esse item futurístico: carros voadores.
Os Jetsons, uma animação criada pela Hanna-Barbera, estreou em 1962. Ambientada no período da guerra fria e da corrida espacial, a animação mostrava um cotidiano onde robôs, carros voadores e casas automatizadas faziam parte da rotina das famílias. A animação trazia uma família americana padrão experimentado as conveniências do avanço tecnológico. Aparentemente, os arranha-céus acima das nuvens, os carros voadores, as casas automatizadas e os robôs acrescentavam qualidade de vida e ganhos globais para a humanidade, representada naquela família.
Na década de 1990, os Jetsons encantavam todas as gerações no Brasil. Apresentada na TV aberta, a série animada nos projetava para um futuro rendido ao domínio inevitável da tecnologia. Nessa mesma época, a comunidade científica já denunciava a questão do clima e dos impactos da tecnologia sobre o meio ambiente.
Desde 1972, durante a Conferência de Estocolmo ou Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, que ocorreu entre 5 e 16 de junho de 1972, na capital da Suécia, a comunidade científica começou a discutir a questão climática de forma global, com o objetivo de falar abertamente acerca da necessidade de preservação do meio ambiente em face dos impactos tecnológicos.
Aquele imaginário sci-fi construído no ambiente das culturas de massa se desenvolve paralelamente às denúncias da comunidade científica e dos ativistas ambientais sobre o custo da tecnologia para os recursos ambientais. A Conferência de 1972 anunciou a necessidade de pensar as ações humanas sobre o meio ambiente a partir de alguns parâmetros: as mudanças climáticas e a qualidade da água, o debate de soluções para reduzir os desastres naturais, encontrar soluções para a modificação da paisagem, definir as bases do desenvolvimento sustentável, a utilização de pesticidas na agricultura, a quantidade de metais pesados lançados na natureza.
Depois dessa conferência, muito se tem negociado sobre os custos do impacto das atividades humanas sobre o meio ambiente e sobre o homem. Agora, em 2025, não temos carros voadores pelos céus nem massas de robôs realizando trabalhos domésticos. Em vez disto, temos um ambiente de disputa e de vários discursos paralelos pleiteando o exercício de uma cidadania global plural.
Um dos discursos de cidadania global é uma voz que ecoa de dentro da floresta amazônica. Essa voz desenha nas paredes abertas da floresta o conceito de Florestania, criado por Antonio Alves, cronista, poeta e pensador acreano, no final dos anos 80, para cunhar o exercício da “cidadania” adaptada à floresta amazônica. Florestania é também uma forma de exercício da cidadania.
Ailton Krenak diz que “Florestania seria o devir-floresta desse lugar-cidade onde as pessoas se cansaram de correr atrás desse status de cidadania, onde sempre foram repelidas. Bilhões de pessoas nunca vão alcançar esse lugar cidadão, então, ele é uma mentira. A gente deveria questionar isso com honestidade e parar de papo-furado com essa história de educação cidadã, porque ela é para meia dúzia, ela não é para todo mundo.” Krenak, hoje, oferece a florestania como alternativa à cidadania e ao estereótipo de cidade.
A COP30 será a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e ocorrerá em Belém do Pará, aqui no coração da floresta amazônica. Neste evento, que acontecerá em novembro de 2025, a comunidade global terá a oportunidade de pensar a questão do clima em face das pautas:
Redução de emissões de gases de efeito estufa, Adaptação às mudanças climáticas, Financiamento climático para países em desenvolvimento, Tecnologias de energia renovável e soluções de baixo carbono, Preservação de florestas e biodiversidade, Justiça climática e os impactos sociais das mudanças climáticas.
Desde a primeira conferência sobre o clima, o desafio sempre foi comprometer os países desenvolvidos com essa pauta. Na COP30, o financiamento climático e a garantia de que as metas de redução de emissões sejam compatíveis com a ciência climática, além do compromisso com os impactos socioeconômicos das mudanças climáticas em populações vulneráveis, como os povos indígenas e ribeirinhos, serão os elementos da arena de debates. O cenário do século 21 é polifônico e multiambientado. Na oportunidade da COP30 teremos mais um momento para pensarmos essa aquarela imensa do nosso futuro comum.
Mais sobre florestania: https://revistaeducacao.com.br/2023/11/24/ailton-krenak-florestania/
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