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Eu estava lá no Estádio Evandro Almeida, que inaugurava seus refletores recebendo o Santos com Pelé e Cia. Curiosamente, grande parte da equipe do Remo estava em Macapá, jogando um torneio qualquer. Para enfrentar os santistas, um time mesclado. Para os remistas, quase tão importante quanto a presença do Rei, foi a estréia de uma dupla de atacantes que fez história no Pará. Zezé e Rangel. O primeiro um amapaense tinhoso, cheio de vontade de vencer e o outro, um carioca habilidoso, craque de bola. Estádio lotado, Pelé entra em campo com a camisa do Remo, o manto sagrado e também um buquê de rosas. Foi um jogo festivo. Lembro que foi 9 a 4 para o Santos, mas uma noite sensacional de grandes jogadas. Ficaram muitas lendas, por exemplo, a de que Pelé, em um dos gols, havia feito “tabelinha” propositalmente nas pernas de Socó, o grande zagueiro azulino, algo que negado veementemente. Não lembro do lance, mas certamente Pelé tentou um passe, que foi interceptado por Socó e com sua mente agilíssima, aproveitou para seguir na jogada. Eu vi Pelé jogar. Na Copa de 58, era muito criança e tudo que lembro era um vinil que na capa tinha a bandeira do Brasil e no lugar das estrelas, fotos dos jogadores. Ouvíamos narração dos gols brasileiros. Na Copa de 62, Pelé contundiu-se no primeiro jogo. Meu pai transmitia de nossa casa, dublando a narração original, que vinha com baixa qualidade. Nós, crianças, fomos obrigados, ameaçados por terríveis castigos, a ficar em silêncio. Mas, adiante alguns dias, assistíamos na tv, em preto e branco, o filme dos jogos, gravado em película, patrocinado pelo Banco Novo Mundo. Em 66, fomos péssimos e assisti a alguns jogos dias depois, também em película. Na Copa de 70, já era um torcedor e havia aquela música “Pra frente, Brasil”. Eu desconhecia as implicações políticas. As imagens eram recebidas em Fortaleza, de onde mandavam em VT para Belém. Isso é tudo.

Quem não joga futebol se impressiona com as perfeições de Pelé. Quem joga admira, reverencia muito mais. Um atleta perfeito em termos de fisiologia, com a altura certa, para a época, distribuição de valências musculares, um homem muito forte e extremamente ágil. Tecnicamente, chutava e driblava com as duas pernas, cabeceava, lançava, tinha uma visão panorâmica formidável e diga-se, era extremamente generoso ao servir companheiros melhor colocados. Seu equilíbrio, ao trombar com zagueiros, negacear, partir em piques era sensacional. É claro que já havia pensado muito antes no tal gol do meio do campo, que não fez, ou seja, nada era meramente intuitivo. Sabia ler o jogo, perceber nuances e fraquezas adversárias. Um gênio que primeiro colocou o Brasil no mapa internacional. Como ele, talvez, Tom Jobim com a bossa nova. Que embaixador! Cobramos dele, sobretudo na época da ditadura, opiniões sobre assuntos que nem sempre dominava, vivendo tão intensamente sua carreira. Mas foi perfeito ao final do milésimo gol, ao pedir pelas crianças do Brasil. Como também ao encerrar a carreira nos Estados Unidos dizendo: Love, Love, Love. Queremos que o ídolo seja perfeito, esquecendo o ser humano e sua formação, seus medos, sua crença. Como condenamos Michael Jackson, um gênio da música, mas infelizmente, uma pessoa cheia de defeitos e problemas. Salve Pelé, que representa o que temos de melhor em alegria, criatividade, beleza e alto astral, com o que somos identificados no mundo inteiro. Que descanse em paz e nunca seja esquecido.

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte. Foto: Ronaldo Rosa

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