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A segunda parte do estudo “Sem Licença Para Destruição – Cargill e as violações de direitos no Tapajós”, com foco nas irregularidades ambientais, impactos e violação de direitos promovidos aos povos tradicionais do município de Itaituba, no Oeste do Pará, foi lançada pela Ong Terra de Direitos. Presente em 70 países e no Brasil desde 1965, a multinacional norte-americana é umas das líderes mundiais em exportação de commodities agrícolas no país e em Itaituba opera um porto desde 2013 sem cumprir as obrigações estabelecidas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade para concessão do licenciamento ambiental.  

Entre ameaças aos direitos territoriais indígenas intensificadas nos últimos anos, tais como paralisação das políticas de demarcação de territórios indígenas e flexibilização da legislação ambiental, os povos indígenas e movimentos sociais da região lutam e resistem às intensas mudanças provocadas pelo complexo portuário localizado em Miritituba, distrito de Itaituba, que reúne cerca de 19 portos – incluindo o da Cargill.  

O levantamento inédito elaborado por Terra de Direitos identifica uma série de impactos socioambientais e irregularidades cometidas pela Cargill no processo de licenciamento ambiental e conclui que a empresa não realizou a consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas Munduruku e nem os estudos de impacto ambiental que preveem os danos provocados aos indígenas que vivem na área de influência da empresa em Itaituba. O direito está previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e estabelece que povos e comunidades tradicionais devem ser consultados quando um empreendimento ou lei afete seu território ou modo de vida.  

Na Licença de Operação de 2017, a Semas estabeleceu como condicionante para renovação da licença para a Cargill que fosse realizado o Estudo do Componente Indígena nos territórios Munduruku de Praia do Mangue e Praia do Índio no prazo de 04 meses (120 dias), ou seja, com vencimento em agosto de 2017. No entanto, não há evidências que esse estudo tenha sido realizado.  

Já em 2019, uma decisão dentro do processo de licenciamento de um outro porto em Itaituba – da empresa Rio Tapajós Logística –, Termo de Referência da Funai estabeleceu como condição para renovação da licença da Cargill (e de todas as empresas portuárias em Miritituba)  estudo e consulta aos povos indígenas Munduruku do médio Tapajós, não foram realizados.  

Em abril deste ano a Cargill completa um ano sem apresentar a renovação da Licença de Operação, mas continua a operar na região do Tapajós, da mesma forma que ocorreu no Porto de Santarém.  

A expansão portuária proporcionada pelo avanço do agronegócio para a região do Tapajós e da rota alternativa de exportação chamada Arco Norte impactou as populações tradicionais. Os portos em Itaituba e Miritituba modificaram a paisagem e as dinâmicas sociais, econômicas e espaciais nesses dez anos de presença na região.  

Para a população indígena Munduruku, os impactos socioambientais se somaram ao não reconhecimento de seus territórios. Nos estudos de impacto ambiental apresentados pela Cargill são identificadas apenas duas aldeias (Praia do Índio e Praia do Mangue), no entanto, no relatório que visa apresentar os impactos e as ações reparadoras dos danos causados pela empresa, os indígenas Munduruku tiveram a completa negação de sua existência. 

O estudo aponta ainda que os impactos conjuntos e simultâneos dos portos foram sentidos por toda a população de Itaituba e distrito de Miritituba. De acordo com o Conselho de Fiscalização de Investimentos e Empreendimentos de Miritituba, antes da instalação o distrito contabilizava população de 5 mil pessoas, e durante esse processo de instalação das empresas chegou a 13 mil, com chegada de trabalhadores para a construção da obra. Isso acarretou uma alta demanda por terra, especulação imobiliária e sobrecarga aos serviços públicos como saúde e educação, aumento de bares e de casos de exploração sexual de crianças e mulheres. 

Aqueles que tinham o rio como principal meio de subsistência, lazer ou transporte foram fortemente afetados pela privatização das margens do rio Tapajós. O aumento da circulação de balsas e barcaças de cargas resultou na contaminação dos rios e peixes, e necessidade de maior deslocamento na busca de alimentos. “E também quando vem a carreta, para passar para o silo da soja, ela faz muito pó, parece um monte de areia caindo. É pó da soja e do silo. Até na barcaça também cai muito pó”, denuncia a Associação Indígena Pariri – que representa legalmente o povo Munduruku do Médio Tapajós, em onze aldeias: Praia do Mangue, Praia do Índio, Sawre Apompu, Sawre Juybu (Terra Indígena Sawre Bapim); Dace Watpu, Sawre Muybu, Boa Fé, Karo Muybu, Dajekapap, Sawre Aboy, Poxo Muybu, (Terra Indígena Sawre Muybu).  

Sem qualquer medida de reparação de danos – seja ao município que sofre com a pressão nos serviços públicos decorrentes do boom populacional trazido pelos portos, seja às comunidades tradicionais ignoradas no licenciamento ambiental que tem que conviver em meio a rota de exportação da monocultora da soja e do milho e com as consequências trazidas por esses empreendimentos – a gigante estrangeira segue atuando.  

Em Santarém, a extinção da praia da Vera Paz não foi o único impacto imediato da construção do Porto da Cargill. A instalação das estruturas do terminal representou a destruição de parte de um dos maiores sítios arqueológicos da região. Localizado entre os bairros Laguinho e Mapiri, o Sítio do Porto guarda vestígios de ocupação pré-colombiana do território de cerca de dez mil anos. Foram encontrados artefatos de cerâmica utilizados em rituais do povo Tapajós, que viveu na região, e outros elementos que levam a crer que havia no local uma cadeia de operação de manufatura de muiraquitãs.

“O porto físico da Cargill foi construído em cima de um cemitério indígena que para nós tem um grande significado. É a nossa ancestralidade que está ali. (…) Recentemente, quando eles baixaram (os espíritos dos ancestrais), eles falaram onde é que eles estavam, e isso tem sufocado muito eles lá. Isso é uma violação muito grave e os outros não compreendem essa nossa cosmovisão”, lamenta o Conselho Indígena Tapajós Arapiuns – CITA.

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