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Era um programa de debates na tv e um dos participantes disse que precisara amadurecer para compreender sua mãe. Ver de maneira distanciada as circunstâncias de sua vida e claro, a maneira como se deu sua participação em sua vida. Concordei. Neste Dia das Mães, nas mídias sociais, haverá uma enchente de fotos e textos lembrando, com amor, nossas genitoras. Há quem peça cuidado a nós, amorosos, por conta de pessoas que por algum motivo, tiveram problemas, dificuldades de relacionamento, mágoas e outras memórias. Com essa profusão de declarações de amor, muitas podem sofrer, pensando em seus motivos. Declaro logo que minha mãe foi a pessoa mais importante na minha vida, ainda que precise acrescentar que meu pai também teve igual importância. Hoje eles já partiram, mas é como disse Fernando Pessoa, a presença da ausência. A todo tempo lembramos suas frases, seu jeito, fatos que marcaram, atitudes e o imenso amor que nos devotaram. Meus pais eram artistas. O pai tocava violão, cavaquinho e até pandeiro em um grupo que se apresentava na Rádio Clube e outros espaços. Havia serestas atravessando as noites. Minha mãe era cantora, também se apresentando na Prc5, Teatro da Paz e outras salas. Houve uma época em que optou por um repertório mais folclórico e segundo li, na revista Pará Ilustrado, houve reclamações de seus fãs. Casaram e as vidas artísticas foram abandonadas. Meu pai ingressou no jornalismo em rádio e jornais. Minha mãe tornou-se dona de casa, como mandava o figurino. Criou e educou cinco filhos, cada um com uma personalidade diferente e imprimiu neles liberdade de pensamento e principalmente, imaginação. Até razoavelmente os dez anos de idade, formávamos seu “Exército de Brancaleone”, equipados de livros, música, teatro e histórias fantásticas de lendas amazônidas, contadas com alto teor teatral, que nos marcaram. Veio a adolescência, o pai chegou mais próximo, ele que até então trabalhava em três turnos para sustentar os famélicos “proencinhas”. Com ele veio o equilíbrio nos textos, ética, caráter, idealismo e honestidade. Uma bela mistura. A adolescência foi adiante e de repente, a música voltou ao violão do velho Edyr e nós fomos parceiros. Minha mãe voltou a cantar. E em seguida, saíam pela noite em infindáveis serestas. Os artistas voltaram!

Mas Celeste não era somente cantora. Escrevia trovas, poemas, quase todos encharcados de Amazônia. Compôs músicas com meu pai. Lançou livros. Frequentava grupos de discussão sobre folclore, literatura, feminismo. O tempo continuou passando. Os filhos bateram asas? Eu também vou. Reativou seu preparo profissional como professora e tornou-se a “mãe” de centenas de jovens que frequentaram seu Curso de Redação Santo Antônio, e conseguiram notas suficientes nos vestibulares que prestaram. Ensinou até 90 anos! O corpo já denunciava tantos dias vividos, mas quando entrava na sala, um arrepio elétrico preenchia seu corpo de energia vital e era a Mestra de sempre. Hoje contemplo sua trajetória e me sinto orgulhoso. Feliz. Ela vibrava comigo e minhas pequenas vitórias no teatro e literatura. Conversávamos muito. Ela queria falar, expressar sua inteligência que brotava por todos os poros. Gostava de falar em público, sempre teatral, escolhendo as palavras. Gostava de grandes cerimônias. Desculpem se me excedo. Escrevo para mim. Não há um passo que eu dê sem que lembre dela. Para honrá-la e a meu pai também, que nesta semana completou 27 anos de partida e faria aniversário no próximo dia 19. Puxa, como fui feliz! Ambos, pai e mãe, se preocuparam com algumas escolhas nossas, mas nunca pressionaram. E vibraram quando tudo deu certo. Olho sua trajetória, suas dores, alegrias, o amor que transbordou para além de seus filhos e neste Dia das Mães, como em todos os dias, penso em Celeste Camarão Proença.

Edyr Augusto Proença
Paraense, escritor, começou a escrever aos 16 anos. Escreveu livros de poesia, teatro, crônicas, contos e romances, estes últimos, lançados nacionalmente pela Editora Boitempo e na França, pela Editions Asphalte. Foto: Ronaldo Rosa

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