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Você já parou para pensar quanto crimes já cometeu na vida? Alguns? Muitos? Ninguém passa impune. 

Quem nunca percebeu que esqueceu de renovar a habilitação e acabou continuando a dirigir pelos mais diversos motivos?  

Confessa aí que quando foi estudante pegavca livro emprestado na biblioteca ou com amigos e tirava cópia integral daquela obra caríssima para se preparar para as provas. Atualmente, usa e compartilha livros sem autorização em formato PDF no Whatsapp. 

Ou já se perguntou que ao praticar a secular e universal fofoca ao desandar a falar mal do seu vizinho ou vizinha ou de algum desafeto também pode configurar crimes contra a honra? Isso tanto presencialmente quanto nas redes sociais 

Até mesmo fazer aquela fezinha no jogo do bicho após um sonho ou um insigth, e antigamente existiam até livros que ajudavam a traduzir os sonhos ou pensamentos no bicho correspondente, também é considerado contravenção penal. 

Já ouviu em algum momento da sua vida uma música com som nas alturas perturbando o sossego alheio sem se importar muito apenas curtindo a vibe? 

Em algum momento da sua vida, sendo criança, adolescente ou mesmo adulto, já perdeu a cabeça e saiu no soco com alguém que estava atazanando sua paciência ou que passou dos limites nas provocações/ofensas? 

Passado o susto inicial ao concluir que você também cometeu e continua cometendo infrações penais quase que diariamente, vem a inquietação: 

“Sou bandido? Não. Claro que não. Sou uma pessoa de bem”. 

Bem. Aí chegamos ao ponto. A princípio, bandidos seriam aquelas pessoas que desobedecem a lei penal. Certo? Não em nossa realidade. 

Fomo acostumados a tachar de bandidos, expressão extremamente pejorativa e que invariavelmente não observa a presunção de inocência) aqueles que cometem crimes que intuitivamente rejeitamos. Existe um filtro. Não é qualquer crime. São crimes específicos. E cometidos por grupos específicos também. 

Só que essa rejeição intuitiva não é apenas instintiva. Ela é produzida, fabricada e direcionada. 

Sejamos francos e sinceros. Bandidos são aqueles que cometem crimes que nos incomodam e que imaginamos que nós mesmos não cometeríamos. Bandido é sempre o outro. 

Em uma sociedade capitalista, chamamos de bandidos aquelas pessoas acusadas de cometer crimes contra o patrimonio privado ou que comercializam entorpecentes, especialmente quando tais pessoas vem das classes economicamente mais baixas da sociedade. 

Não é comum você chamar de bandido quem é acusado de praticar o crime de racismo. Ou quem mesmo embrigado atropela e mata uma pessoa no trânsito. Até mesmo quem executa violência doméstica contra a mulher não costuma ser rotulado de bandido. 

Sabe o porque disso? Já parou pra pensar que são delitos que normalmente são praticados por pessoas de qualquer extrato social?  

Pois é. Não vemos essas pessoas como bandidas. E não enxergamos de tal forma porque fomos ensinados a assim não enxergar, reduzindo o âmbito de alcance desse filtro apenas para condutas normalmente praticadas por pessoas pobres, negras e periféricas. E isso está muito errado. 

Particularmente não gosto da expressão em hipótese nenhuma, posto invariavelmente vir acompanhada de julgamentos morais e precipitados, sem qualquer ampla defesa, no qual uma mesma pessoa (no caso, nós mesmos) investiga, acusa e julga sem sequer conhecer detalhes do ocorrido. É a cultura do cancelamento em seu grau máximo. 

Mas, ultrapassada essa questão, fica o questionamento. Se você ja cometeu os crimes apontados no início do texto, porque jamais foi investigado ou processado? 

Ai vem os ensinamentos da criminologia. Quais crimes o Estado de fato movimenta seu aparato para investigar e punir? É o que chamamos de criminologia secundária. 

Não basta estar na lei penal e haver infração para haver punição. É preciso que o aparato estatal se movimente para isso. E esse movimento só se dá quando há pressão social e cobranças para que a política criminal siga em determinada direção. 

Por isso mesmo, fora situações excepcionais que só confirmam regra, as maiores reclamações de melhorias de segurança pública são voltadas para os crimes contra o patrimônio privado e na guerra as drogas. Esses são os crimes que mais incomodam. E justamente por isso são os que demandam mais investimentos públicos. São os cometidos por “bandidos”. “Bandidos” esses inclusive que formam a imensa maioria de nossa população carcerária. Um Ciclo que se repete e se retroalimenta. 

Óbvio que não se pode jamais deixar de apurar e punir tais crimes. Pois de fato prejudicam a população. Mas precisamos nos questionar cada vez mais qual nosso papel na contribuição para a perpetuação desse estado de coisas inconstitucional que é nosso sistema carcerário, quando tratamos o outro como bandido e nós mesmos sempre como pessoas de bem. 

Deixo essa reflexão para você no seu íntimo. Afinal, quem é bandido? Você ou sempre o outro? Esse outro vem de qual classe social? É bom que o bandido esteja morto mesmo? 

Bruno Braga Cavalcante
Defensor Público do Estado do Pará, Pós Graduado Lato Sensu em Direito Público e Privado, Especialista em Gestão Pública, Coautor de obras jurídicas e articulista.

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