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O ator português Adérito Lopes foi brutalmente agredido na noite de terça-feira, 10 de junho, em Lisboa, nas imediações do Teatro A Barraca, por um grupo que testemunhas identificaram como neonazistas. A violência aconteceu momentos antes da última apresentação da peça “Amor é um fogo que arde sem se ver”, que tinha a récita gratuita em razão do feriado nacional do Dia de Camões e precisou ser cancelada. A agressão é um atentado à liberdade de expressão e um grave sinal do avanço da extrema-direita em Portugal.

Segundo declarações à imprensa portuguesa, dadas pelos membros da companhia teatral, o grupo agressor, com aproximadamente 30 pessoas, participava de um evento num restaurante vizinho ao teatro e já demonstrava comportamento hostil. Uma das atrizes, vestindo uma camiseta com uma estrela vermelha, foi alvo de insultos como “morte aos comunistas”. Pouco depois, Adérito Lopes, que acabava de chegar ao local, foi surpreendido por um soco no rosto.

Lopes foi levado ao Hospital de Santa Maria com dois cortes profundos na face, causados possivelmente por um anel usado pelo agressor. Recebeu pontos, realizou exames e recebeu alta durante a madrugada. Embora não tenha sofrido ferimentos graves, a agressão causou marcas visíveis e simbólicas.

A Polícia de Segurança Pública (PSP) foi acionada por volta das 20h15 e, com base nas descrições, conseguiu localizar e identificar um homem de 20 anos como suspeito do ataque. A corporação comunicará o caso ao Ministério Público.

O cancelamento da peça e o ataque chocaram o público e provocaram reação imediata. Maria do Céu Guerra, diretora artística do Teatro A Barraca, destacou que o episódio ocorreu exatamente no dia em que se completam 30 anos do assassinato de Alcindo Monteiro, também vítima de neonazistas, no Bairro Alto.

Não foi a primeira vez em que o dia 10 de junho, feriado nacional, o Dia de Portugal, Dia de Camões e das Comunidades Portuguesas, foi marcado por ações violentas de grupos extremistas. Há exatos 30 anos, o jovem luso-cabo-verdiano, Alcindo Monteiro, foi espancado até à morte por um grupo de skinheads, entre os quais se encontrava Mário Machado, uma das figuras mais conhecidas da extrema-direita portuguesa, atualmente preso por incitação ao ódio.

Neste ano de 2025, a data foi lembrada por cerca de 500 pessoas que se reuniram no Largo do Carmo, no centro de Lisboa, em um protesto antirracista em memória de Alcindo.

A Ministra da Cultura, Juventude e Desporto, Margarida Balseiro Lopes, repudiou o ato, chamando-o de “atentado contra a liberdade de expressão e os valores democráticos”. “A Cultura é um lugar de liberdade, nunca de medo”, declarou nas redes sociais.

O presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, visitou o teatro para demonstrar apoio. “Não posso ter atores com medo de subir ao palco. Isso não pode acontecer”, disse Moedas, sublinhando a necessidade de reforço do policiamento.

Parlamentares como Rui Tavares (Livre), Isabel Mendes Lopes e Mariana Mortágua (Bloco de Esqueda) também condenaram a agressão. “É o resultado de não haver clareza na rejeição do discurso de ódio”, escreveu Tavares. Mortágua associou o episódio ao avanço da extrema-direita e criticou o governo por ter retirado do Relatório de Segurança Interna a menção a essa ameaça.

Adesivos com o logotipo do movimento de extrema-direita Reconquista foram encontrados no local da agressão, com as mensagens “Defende o teu sangue” e “Portugal aos portuguezes” – sendo esta última grafada com “z” em alusão à ortografia antiga, uma marca distintiva do movimento Reconquista. O líder da organização, Afonso Gonçalves, chegou a ser brevemente detido pela PSP no último domingo, durante uma manifestação em frente a um templo sikh, em Odivelas.

O ataque contra Adérito Lopes reflete um cenário muito preocupante em que a extrema-direita tem avançado em Portugal, alimentada por discursos de ódio, desinformação e revisionismo histórico. Partidos como o Chega têm conquistado votações expressivas mesmo propagando narrativas que atacam direitos fundamentais, populações minorizadas, imigrantes e a própria democracia. Esse crescimento institucionalizado da intolerância legitima, aos olhos de alguns, ações violentas como a sofrida pelo ator, sinalizando um risco real para a liberdade de expressão, a convivência democrática e a segurança de quem atua na cultura, na arte e na defesa dos direitos humanos.

Gabriella Florenzano
Cantora, cineasta, comunicóloga, doutoranda em ciência e tecnologia das artes, professora, atleta amadora – não necessariamente nesta mesma ordem. Viaja pelo mundo e na maionese.

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